As urnas transmitiram às autoridades do Executivo o des­­­­­­­­contentamento da cadeia produtiva ligada ao meio rural

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O resultado eleitoral apurado em 31 de outubro permite inferir que, a despeito do inquestionável êxito contabilizado em praticamente toda a região Nordeste, e em parte expressiva do Sudeste, o governo Lula sofreu respeitável revés na maior fração do espaço geográfico que hospeda as atividades direta e indiretamente vinculadas ao setor rural brasileiro.

Decerto, houve vitórias expressivas da candidata oficial em áreas importantes, dominadas pelo setor primário, como o triângulo mineiro, o sudoeste paranaense e o oeste catarinense, reflexo da ocorrência de três renegociações dos passivos rurais – agravados depois de 2004, por conta das estiagens, das limitações fitossanitárias e do câmbio –, da concessão de razoável volume de subsídios à comercialização das safras e da concepção de um embrião de aperfeiçoamentos infraestruturais.

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Porém, quando consideradas as vantagens registradas pela oposição no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, interior de São Paulo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondônia e Roraima, centros responsáveis por mais de 60% da renda do agronegócio, o governo teria sido derrotado por volume superior a 1,5 milhões de votos.

Esse fracasso político localizado da situação pode ser imputado à natureza conservadora da população eleitora do interior, resistente à penetração do Partido dos Trabalhadores (PT) e mais sensível à combinação entre política e religião, impregnada na discussão da legalização do aborto, antes defendida e depois negada pela representante da coligação governista, e às repercussões das denúncias e comprovações de corrupção e nepotismo na Casa Civil da Presidência da República.

Também pesou, na manifestação da preferência do campo, os desvios institucionais expressos na ausência de preocupação do governo com: as mudanças requeridas nas leis ambientais, trabalhistas, tributárias e indigenistas; a fixação e aplicação de regras transparentes de desapropriação de terras para a reforma agrária; o respeito e a defesa do direito de propriedade e, por extensão; as ações eminentemente políticas capitaneadas pelo movimento dos trabalhadores rurais sem terra (MST).

Ademais, afloraram os antagonismos ideológicos, abarcando agricultura familiar versus empresarial, ou capitalista. O embate estaria em completo descompasso com cálculos da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e Fundação Getulio Vargas (FGV), mostrando que 4,5% das unidades rurais geram mais de 70% do valor bruto da produção setorial e que 1,5 milhões das propriedades não dispõem de renda excedente.

Rigorosamente, as urnas transmitiram às autoridades do executivo o descontentamento da cadeia produtiva ligada ao meio rural com o não encaminhamento de soluções para os problemas estruturais e conjunturais que afetam o setor, normalmente encobertos pelas etapas ascendentes do circuito econômico. Mais precisamente, a enorme capacidade de mobilização da bancada rural, articulada no Congresso Nacional, e da CNA, fez emergir, no transcorrer do embate eleitoral, as principais restrições ao funcionamento do setor agro brasileiro.

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Tais anomalias estão acopladas ao diminuto interesse de intervenção estatal, em um segmento de ciclo curto e maior volatilidade, suscetível às intempéries climáticas e às oscilações de demanda e preços nos mercados externos. Podem ser sintetizadas na queda crônica da renda associada à persistente sobrevalorização do Real, à deterioração dos esquemas de financiamento, à manutenção dos desgastados planos de safra, à implementação da política de preços mínimos e à disponibilização de haveres creditícios preferenciais, que impedem o abrandamento da condição de capacidade de autofinanciamento dos produtores.

Igualmente relevante é a falta de posições mais incisivas voltadas à diminuição das despesas logísticas, pressionadas pela exaustão física e gerencial da malha de transportes, à recuperação, modernização e ampliação das bases de armazenamento, ao combate ao dumping internacional, praticado especialmente pelos Estados Unidos e União Europeia, à profissionalização dos produtores, à criação de um fundo de catástrofes, e ao rigoroso controle da aplicação das exigibilidades bancárias (parcela dos depósitos à vista destinada ao crédito rural).

Gilmar Mendes Lourenço é economista, coordenador do Curso de Economia da FAE é autor do livro Conjuntura Econômica: Modelo de Compreensão para Executivos.