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Recato e destempero
| Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

No dia 14 de março de 2019, em sessão ocorrida no plenário do Supremo Tribunal Federal, um de seus 11 membros causou perplexidade e repulsa a quem assistiu, ao vivo ou não, àquele julgamento. Naquela ocasião, o ministro Gilmar Mendes xingou os procuradores da Operação Lava Jato de “cretinos”. Agindo como se fosse um anônimo e estivesse em uma feira a céu aberto, indignado com o preço do quilo da cebola (algo que já seria visto como anormal, no mínimo), o magistrado em questão mostrou que, quando ele fala em “respeito ao Estado de Direito”, exclui-se dessa advertência, pois está flanando sobre as leis.

Reafirmando a afirmação feita em março, Gilmar Mendes, no início deste mês de agosto, referiu-se à Lava Jato como sendo “uma organização criminosa para investigar pessoas”. Já na sessão do dia 27, dando continuidade a seus destemperos, mais uma vez oscilou entre a erudição e o chulo vocabulário de botequim enquanto proferia decisão, injuriando as autoridades que compõem a “República de Curitiba” (leia-se Lava Jato), chamando-as de “gente ordinária”.

Gilmar Mendes não tem condições de julgar, longe das emoções que o dominam, processos em que tenham atuado a força-tarefa da Lava Jato

O estarrecimento da nação diante dessa costumeira e lamentável postura leva alguns a concluírem que o aludido ministro não tem noção. Eu discordo. Noção é algo que lhe sobra; o que lhe falta é sobriedade, discrição e recato.

Outros acham que Gilmar Mendes é corajoso e diz aquilo que lhe vem à cabeça. Questiono se não seria o excesso de blindagem a mola propulsora das atitudes do referido magistrado. Digo isso porque, como é sabido e consabido, fácil é cuspir em quem está no andar de baixo, pois a gravidade fica encarregada de levar a saliva até o rosto do destinatário. O difícil é ter fôlego para fazer a saliva subir e, assim, desmontar a blindagem que há em torno de si mesmo.

Confesso, porém, não saber ao certo se tais manifestações decorrem do fato de ser penoso para um ministro que cultiva suas inúmeras aparições na mídia constatar que um ex-juiz de primeiro grau (“essa gente”) tem o poder de ofuscar-lhe, de imediato, ainda que por meio de uma foto em 3x4; ou se tudo isso é fruto da falta de funcionamento de mecanismos inibitórios (da qual decorre a blindagem); ou as duas coisas juntas.

O fato é que o ódio destilado contra os atores da Lava Jato é mais que suficiente para mostrar que Gilmar Mendes não tem condições de julgar, longe das emoções que o dominam, processos em que a parte (o Ministério Público, representado pelos “cretinos”) e o sujeito processual (o ex-juiz Sergio Moro, o “ordinário”) aludidos tiverem praticado atos processuais, pois já estão, de antemão, na suprema alça de mira do mencionado magistrado da suprema corte. Nesse caso, deveria o ministro Mendes, devido à predisposição em fustigar publicamente essas autoridades, afastar-se dos feitos oriundos da “República de Curitiba”, evitando um desgaste que atinge o STF e o Poder Judiciário como um todo.

Contudo, como nós já sabemos que isso não vai acontecer, continuaremos torcendo para que a Lava Jato siga adiante e mantenha-se firme, a despeito dos injustos ataques, grosserias e xingamentos que muitos de seus membros têm recebido por parte de quem deveria ter um mínimo de temperança.

Ronaldo Lara Resende é promotor de Justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul.

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