O Brasil, junto com os demais países que integram a Organização das Nações Unidas (ONU), foi signatário, em 2015, do acordo que estabelece os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Neste acordo, assumimos o compromisso de, até 2030, erradicarmos a fome em nosso território. Vínhamos de uma trajetória exitosa, visto que em 2014 a própria ONU reconheceu que nosso país saíra do Mapa da Fome Mundial, baseada nos indicadores que ela utiliza para essa classificação. O país avançara muito, mas ainda faltava fazer mais para garantir esse direito fundamental a todos os que vivem aqui.
Observa-se o acelerado crescimento da extrema pobreza, resultante da forma como se enfrenta a atual crise econômica
Assim, soa imprópria a afirmação do presidente da República de que não há fome no Brasil. Pior do que isso: deixa transparecer desinformação sobre a situação do país que governa e desrespeito com uma parte da população que luta de todas as formas para sobreviver. Ainda mais quando consideramos os quatro últimos anos, em que, a partir dos próprios dados oficiais, observa-se o acelerado crescimento da extrema pobreza, resultante da forma como se enfrenta a atual crise econômica, com o repasse para os mais pobres do pagamento do ônus de uma situação que não criaram.
Extrema pobreza redunda inevitavelmente em fome. Mas, paradoxalmente, assiste-se ao desmonte de políticas públicas de segurança alimentar e nutricional, algumas delas premiadas e tomadas como referências em outros países e que vêm sendo descontinuadas ou tendo suas dotações orçamentárias acentuadamente reduzidas. Na mesma linha, o atual governo extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), órgão que reunia sociedade e governo para construção e monitoramento desta política nacional.
Aguarda-se a divulgação dos resultados de uma importante pesquisa, em nível domiciliar, que o IBGE realizou no ano passado sobre a situação de segurança e insegurança alimentar no Brasil. O presidente não tem manifestado muito apreço pelo que esse respeitadíssimo instituto produz, mas a partir do que a pesquisa mostrar ficará mais nítida a situação em que o país se encontra nesta questão. Mesmo ainda sem estes dados, a fome voltou a ser visível. No dia seguinte à intempestiva fala do presidente, a imprensa brasileira mostrou diversos casos que atestam essa dramática situação. Reconhecer o problema é um caminho melhor que negá-lo. É um primeiro passo para que possamos almejar sua erradicação até 2030.
Francisco Menezes é ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), economista, pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e integrante do GT da Sociedade Civil para a Agenda 2030.