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Opinião do dia 1

Recursos e riquezas

Roberto Campos, cuja lógica implacável incomodou gerações e gerações de políticos e intelectuais retrógrados no Brasil, dizia que existe uma confusão terrível entre o que é riqueza e o que é simplesmente recurso. Para ele, um recurso não explorado ou mal explorado não é riqueza; essa nasce quando os recursos são transformados criativa e oportunamente em mais investimento, mais renda, mais emprego, mais consumo, enfim, em mais afluência material para o país e seus habitantes. Essa constatação cartesiana lhe valeu a pecha de entreguista que, para ele, foi, ao longo da vida, como uma afecção dermatológica: aquelas coceiras que não matam ninguém, mas incomodam "pra burro" e são difíceis de debelar...

Por ser contra o monopólio da Petrobrás na exploração do petróleo, pegou uma micose braba; pouco importa que ele estivesse certo em sua visão, pois quando o Brasil começou a abrir seu território aos contratos de risco e às parcerias com empresas estrangeiras, as descobertas se multiplicaram e a velocidade de exploração aumentou consideravelmente. Foi acusado de querer entregar o nosso subsolo ao capital estrangeiro por fazer críticas à suposta eficiência da Companhia Vale do Rio Doce. A Vale privatizada investiu muito mais do que a ex-estatal, lucrou muito mais, pagou centenas de vezes mais impostos, empregou muito mais gente.

Itaipu foi outra bête noire para vastos setores inconformados com o investimento bilionário da Eletrobrás, acusada de querer favorecer empreiteiros com uma obra faraônica, destruir o ecossistema regional com as mudanças de microclima que inviabilizariam a fauna e a flora e dizimariam a agricultura entre outras tolices do gênero. Hoje em dia, ninguém repete essas sandices com receio de ser tido como um tabaréu, como se diz na Bahia e todo mundo sabe que sem Itaipu o Brasil teria entrado em colapso há muito tempo. Brasil e Paraguai compartilhavam o recurso, que era o Rio Paraná, mas quem o transformou em riqueza foi o investimento realizado para gerar watts. A criação da empresa Itaipu Binacional foi uma obra de arquitetura jurídica inteligentíssima para viabilizar o aproveitamento do rio: o Paraguai tinha metade da água, mas não tinha o dinheiro nem o crédito para financiar uma obra bilionária, nem detinha a tecnologia e a capacidade organizacional para fazê-la; o Brasil tinha todas essas coisas, mas só tinha metade da água. Juntando essas duas realidades, é que o recurso virou riqueza.

Vamos parar com essa retórica de que o Brasil explorou o Paraguai com a construção de Itaipu. Não fosse a "metade" brasileira – diga-se de passagem que uma "metade" peculiar muito maior do que a outra em termos de obrigações, o que desafia a aritmética – o rio estaria lá, não teríamos a energia e o Paraguai não teria os frutos atuais e futuros da usina. Se esses ainda não vieram integralmente é porque Itaipu Binacional ainda está pagando as dívidas que contraiu para financiar a construção, como ocorre em qualquer negócio, sempre que um sócio antecipa o dinheiro que o outro teria de investir mas não pôde.

Vamos manter a cabeça fria, reafirmar nossas melhores intenções com relação aos hermanos, mesmo porque não há nenhuma razão objetiva para cultivar animosidades. Mas vamos nos manter firmes na posição de que o tratado que deu origem à empresa e à usina é intocável. Pode-se rediscutir pontos acessórios da operação e do financiamento, mas é só. Essa ideia de fazer a conta de trás para a frente e concluir que o Brasil deve ao país vizinho US$ 4 bilhões a mais por ter feito a usina utilizando a metade da água do rio é simplesmente lúdicra.

Mesmo para um político fértil em ideias e ações, como o presidente Fernando Lugo, é esticar demais a corda da lógica e desconhecer a geopolítica, pois o cacife do Paraguai não é tão grande quanto ele pensa: diferentemente da Bolívia, que pode "fechar a torneirinha do gás" como dizia Geisel, o Paraguai não tem como fechar a torneira da metade do Rio Paraná que lhe cabe.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.

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