"As propostas de negociar diminuição de jornada e de salários como forma de manter o emprego não deve ser engolida sem o crivo da análise."
Chega no bojo da crise econômica mundial o massacre social: desemprego, redução de salários, corte de benefícios e o diabo. A mais recente onda é a diminuição de salários acompanhada de diminuição da jornada, à primeira vista óbvia e justa.
É da fascinante estrutura do capitalismo que é preciso bombar dinheiro onde dinheiro se fazia com facilidade, as grandes corporações, e tirar dinheiro de onde dinheiro nunca se fez, ou seja, do trabalho. Não é diferente hoje. Mas as propostas de negociar diminuição de jornada e de salários como forma de manter o emprego não deve ser engolida sem o crivo da análise.
Primeiro porque para a classe capitalista tal redução é um ótimo começo de acerto de contas. Utiliza-se somente a quantidade de horas de trabalho necessárias para suprir uma quantidade menor de produto. Mas da jornada reduzida, digamos de 8 horas para 6 horas, os capitalistas continuam extraindo trabalho excedente. Considere o leitor o seguinte exemplo baseado na teoria econômica clássica. Das 8 horas anteriores suponhamos que o trabalhador ganhava o equivalente a 3 horas de trabalho e que as 5 horas de trabalho excedente se transformavam em lucros após a venda do produto. Suponhamos também que o valor equivalente a 3 horas de trabalho fosse suficiente para as suas necessidades diárias e de sua família. Agora com a redução da jornada para 6 horas, uma redução de 25%, o empregador continua obtendo trabalho excedente, 3,7 horas de trabalho excedente enquanto o trabalhador recebe um salário equivalente a 2,3 horas de trabalho. Seu salário é agora insuficiente para a sua sobrevivência. Enquanto o capitalista continua extraindo trabalho excedente na mesma proporção que antes, ao trabalhador e sua família resta apertar o cinto. A redução de jornada permite a extração de trabalho excedente, mas não permite a normal reprodução da força de trabalho, isto é, seu consumo normal.
Em segundo lugar e como decorrência da redução da folha salarial em 25% nos setores inicialmente mais atingidos pela retração da demanda quais sejam, as fábricas de bens de consumo duráveis começa a cair a demanda de meios de consumo ordinários na exata proporção que ocupam os primeiros setores na folha de salário global. Os ramos que ainda não tinham sido afetados pela contração da demanda passarão a sentir o efeito da redução do poder de compra. O problema se irradia dos setores inicialmente afetados pela restrição de crédito para os setores nos quais o consumo independe do crédito. Ou seja, a superprodução relativa, primeiramente manifestada no setor de bens de consumo duráveis, se generaliza para todos os setores de meios de consumo. Os trabalhadores desses setores serão igualmente afetados pela prática de redução de jornada-salário. E agora o feed-back negativo é interior à própria indústria de bens de consumo ordinários. O rastilho de uma depressão fica assim arrumado pela concorrência entre os capitalistas, cada um tentando reduzir custos para se adaptar ao nível mais baixo de demanda. Tudo isso em maravilhosa contradição com a necessidade de aumentar brutalmente o poder de compra agregado para fazer o estímulo à regeneração do crédito advir do campo real.
Em terceiro lugar é preciso que os trabalhadores saibam coisa que certos eixos sindicais zelosamente encobrem que não existe garantia de emprego no capitalismo, muito menos no bojo de uma crise. Na verdade, redução de jornada é a forma incipiente do desemprego de horas onde ele não pode ser imposto imediatamente como desemprego do indivíduo. Onde as coisas se acertam neoliberalmente entre empregado e patrão o processo é mais simples: rua! A história de concessões de salários e benefícios é pródiga em matéria de poço sem fundo. As concessões sempre foram prelúdio de novos ataques. A prática de redução de jornada com redução de salário não será diferente. É apenas o aperitivo de um amargo jantar no qual, parafraseando Hamlet, o trabalhador não come mas é comido.
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