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Com a declaração de pandemia pela OMS, estamos vivendo medidas drásticas de isolamento social e restrição de circulação, mas outro problema se torna importante: as eleições municipais em outubro deste ano. Em tempos de normalidade, as articulações políticas e organização da disputa eleitoral estariam a pleno vapor, mas estamos em um momento de exceção. Diante de tal quadro, está em tramitação na Câmara dos Deputados a PEC 56/19, com o objetivo de prorrogar os mandatos dos atuais prefeitos e vereadores, mantendo-os no exercício do cargo até 2023, sem que a população seja consultada sobre sua permanência.
Resolver problemas complexos com soluções mágicas não é uma boa saída, ainda mais quando falamos de algo tão caro para os sistemas democráticos, como a escolha de representantes. Tal alteração, aparentemente simples, colocará em xeque valores fundamentais da nossa república, como a periodicidade dos mandatos eleitorais e o voto direto. Ampliar mandatos parece uma decisão sensata, mas pode ser algo “viciante”, que pode abrir caminho para a ampliação de novos mandatos e ser fatal para nosso sistema democrático. Consultar o povo de maneira periódica sobre a permanência ou não de seus políticos é um ponto elementar das democracias, e deixar isso de lado não é algo negociável. A extensão dos mandatos pode ferir a periodicidade das eleições, tendo em vista que essa ampliação não foi aventada antes do período eleitoral de 2016. É como se estivéssemos disputando um jogo e no meio do caminho as regras fossem alteradas; com toda certeza algum participante se sentirá injustiçado, e isso é muito grave para um modelo democrático.
Muitos especialistas consideram que a ampliação dos mandatos é uma saída para a unificação das eleições em todas as esferas, em que o eleitor votaria para todos os cargos, desde presidente até vereador, em um único momento. Tal lógica de unificação não me parece algo apropriado pela complexidade de nosso modelo político, e me parece o fim das discussões em âmbito municipal e até mesmo estadual, que serão eclipsadas pelas eleições em âmbito federal. Modelos democráticos que adotam a unificação das eleições para todos os cargos não têm a lógica de descentralização do poder político que temos, e são modelos no qual a administração municipal é uma mera extensão do governo central.
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Outro ponto a ser pensado é que a periodicidade dos processos eleitorais garante escolhas importantes, como a eleição de novos mandatários e, principalmente, a reprovação de políticos que não atenderam nossos interesses. O movimento de recondução de mandatos, sem consulta popular, retiraria a grande vantagem de nosso sistema eleitoral, que é o poder de escolha. Imagine que você está diante de uma catástrofe política na sua cidade; você permitirá que a pandemia reconduza uma administração incompetente por um período de mais dois anos, sem ao menos ser consultado?
Sou contrário à extensão de mandatos sem consulta popular, mas acredito que o processo eleitoral acabará sendo adaptado para as eleições de 2020, com alterações constitucionais que não mudem a periodicidade ou o tempo de mandatos, evitando assim que tenhamos uma futura pandemia política.
Francis Ricken, advogado e mestre em Ciência Política, é professor da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo.