A reestruturação da rede de saúde mental de Curitiba, em estudo pela Secretaria Municipal da Saúde de Curitiba (SMS), é uma proposta de humanização da saúde mental no SUS da capital paranaense. Podemos dizer isso com convicção, por um motivo bem simples e palpável: visa ampliar o acesso dos pacientes que precisam de atendimento.
Atualmente, o município conta com 12 Centros de Atenção Psicossocial (Caps), divididos em quatro para adultos com transtornos mentais, cinco para adultos com transtornos decorrentes de uso de álcool e outras drogas e três para crianças e adolescentes.
O modelo em vigor é desumano e faz com que, por exemplo, um morador do Tatuquara que necessite de atendimento para transtorno mental tenha de se deslocar para um Caps-TM no Rebouças. Para isso, esse paciente precisa tomar quatro ônibus, num percurso que leva em torno de três horas, o que representa uma barreira importante de acesso. Além dessa dificuldade, alguns Caps ficam sobrecarregados por ter de cobrir uma área bastante extensa. O Caps-TM Boa Vista, por exemplo, tem sob sua responsabilidade uma população de 625 mil habitantes.
Para chegar a um melhor desenho, a nova gestão da SMS realizou, nos meses de janeiro a setembro deste ano, um mapeamento diagnóstico do funcionamento da rede atual, a partir de visitas aos serviços, reuniões com trabalhadores, aplicação de questionários, realização de câmaras técnicas, análise de dados, oficinas de planejamento em todos os distritos sanitários do município. Chegou-se à conclusão de que, além das dificuldades de acesso aos serviços especializados de referência, as práticas atuais na rede eram também heterogêneas, causavam longas filas de espera para a especialidade de Psicologia e Psiquiatria ambulatorial, havia baixa qualificação dos motivos de encaminhamento e a articulação entre os diferentes pontos de atenção era ausente ou incipiente.
Com o intuito de humanizar o tratamento da saúde mental é que a SMS está buscando a reestruturação da rede
Com o intuito de humanizar o tratamento da saúde mental é que a SMS está buscando a reestruturação da rede. Com a proposta, cada distrito sanitário do município passará a contar com um Caps de referência, que será responsável pelos casos severos e persistentes de saúde mental do território assistido, atuando em conjunto com as equipes de saúde daquela região.
Considerando, ainda, que há uma alta prevalência de pessoas com transtornos mentais em uso de substâncias psicoativas e pacientes que, em decorrência do uso abusivo de substâncias psicoativas, podem desenvolver um transtorno mental, é necessário estabelecer uma diretriz que contemple o cuidado integral desse paciente num mesmo lugar. Os Caps infantis do município, aliás, já funcionam assim desde 2014 e são considerados experiências bem-sucedidas. A integralidade é um princípio fundamental do SUS, que se destina a conjugar as ações direcionadas à materialização da saúde como direito. Assim, cada Caps estará mais próximo da população para a qual é referência, melhorando a assistência à saúde mental. Com a reorganização territorial proposta, cada Caps terá em torno de 200 mil habitantes sob a sua responsabilidade.
A nova proposta já foi discutida com o Ministério da Saúde e está em consonância com a orientação na Portaria 3088/2011. Pois insistir numa separação entre pacientes de transtornos mentais e transtornos mentais gerados pelo uso de álcool e outras drogas no Caps não é uma exigência do Ministério da Saúde. A Secretaria de Estado da Saúde, a Sociedade Paranaense de Psiquiatria e a Fundação Estatal de Atenção Especializada em Saúde de Curitiba também apoiam a proposta de reorganização territorial dos Caps. A proposta já foi discutida, ainda, com Ministério Público, Comissão de Saúde Mental do Conselho Municipal de Saúde de Curitiba, Conselho Municipal de Políticas sobre Drogas, Conselho Regional de Psicologia, Residência da Psiquiatria da Secretaria Municipal de Saúde/Fundação Estatal de Atenção Especializada em Saúde de Curitiba, coordenação do curso de Terapia Ocupacional da Universidade Federal do Paraná e do curso de Psicologia da UniBrasil. E seguiremos debatendo.
Essa reorganização territorial deve ocorrer de forma gradual, sem gerar desassistência à população, num processo constante de avaliação, de grande investimento na capacitação das equipes, além de remanejamentos, de acordo com a experiência técnica e intenção dos profissionais. Ou seja, com responsabilidade.
Além da reorganização territorial que está sendo discutida agora, já tivemos outras iniciativas de organização da saúde mental em Curitiba nesta gestão. Instituímos o Trilhas de Conhecimento em Saúde Mental para orientar as equipes de enfermagem dos Caps e UPAs em relação ao manejo dos pacientes de saúde mental. Também construímos a Linha Guia de Saúde Mental, que será publicizada em breve para os servidores, contemplando as diretrizes clínicas para o cuidado dos principais transtornos mentais na atenção primária, com o objetivo de uniformizar as práticas na rede. Tendo em vista que os postos de saúde são porta de entrada estratégica, potencializaremos as equipes para o manejo e aumento de resolutividade já na atenção primária frente às demandas de saúde mental.
Para a qualificação dos encaminhamentos para as especialidades de Psicologia e Psiquiatria ambulatorial, realizados pelas unidades de saúde, foi implantado o sistema de teleconsultoria. Assim, médicos generalistas e demais profissionais da unidade básica encaminham demandas para especialistas dos Núcleos de Apoio da Saúde da Família (Nasf). E, com o apoio do especialista, definem se o tratamento ambulatorial é a melhor estratégia ou se o paciente se beneficiará de outra alternativa terapêutica. Houve, ainda, ampliação no número de psicólogos nas equipes dos Nasf e se redimensionou a carga horária dos psiquiatras para uma cobertura de apoio melhor para toda a cidade. Além disso, tivemos a ampliação da oferta para Psicologia e Psiquiatria no Centro de Especialidades Hauer, referência para os distritos sanitários Bairro Novo e Boqueirão, que contavam com as maiores filas para essas especialidades. Tivemos também o aumento da oferta da psiquiatria no ambulatório do Hospital de Clínicas.
Os recursos são finitos, logicamente, e há limite orçamentário que impede a implantação de novos serviços. Mas, ainda assim, é possível se fazer mais com a estrutura que existe. Basta otimizarmos os serviços, buscando a máxima eficiência e aproveitamento. É isso que estamos propondo e fazendo. Isso se chama gestão.