Desde a Emenda Constitucional 19/98, as sociedades de economia mista passaram a ter um novo tratamento constitucional, ampliando os conceitos da legislação até então existente

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A Constituição deu à União competência privativa para legislar sobre trânsito, competência essa que foi exercida por meio do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que, em seu artigo 24, atribui aos órgãos e entidades municipais atividades de engenharia, educação e fiscalização de trânsito. Alguns municípios, como é o caso de Curitiba, optaram por exercer essas atividades através de sociedades de economia mista.

Decisões judiciais, do STJ e, mais recentemente, do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, colocaram em xeque a opção desses municípios. Especificamente em Curitiba questiona-se a figura da Urbs. O cerne da discussão está, basicamente, no fato de se entender inadmissível a delegação de poder de polícia a empresas que são de natureza jurídica privada e dedicadas à exploração de atividade econômica, bem como na destinação da arrecadação de multas aos sócios particulares nessas empresas. E no caso da decisão do TJ, parece que se agregou também, ante a Constituição Estadual, a exclusividade da Polícia Militar para exercer o policiamento de trânsito.

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Não se pode ignorar, no entanto, que desde a Emenda Constitucional 19/98, que trouxe a chamada Reforma Administrativa, consolidando a mudança do modelo do Estado brasileiro, essas sociedades de economia mista passaram a ter um novo tratamento constitucional, ampliando os conceitos da legislação até então existente. Deixaram de ser destinadas exclusivamente à exploração de atividade econômica. Passaram a ter função pública, que é o que as distingue das outras empresas de fins econômicos, incidindo sobre elas normas de Direito Público, que envolvem prerrogativas e submissões características dos órgãos públicos.

E por constitucionalmente fazerem parte da administração pública, não há que se falar em delegação de poder de polícia a elas, mas sim em descentralização dessa atividade por meio desse ente criado pelo município à semelhança de seus órgãos.

Assim é que o artigo 24 do CTB, ao falar dos órgãos e entidades executivos de trânsito dos municípios, também admite essas sociedades de economia mista, pois se o vocábulo "órgão" se refere aos integrantes da administração direta, o termo "entidade" abrange essas estruturas privadas da administração indireta.

Já no que concerne à destinação da arrecadação de multas aos sócios particulares nessas empresas, vale lembrar que o artigo 320 do CTB determina que a receita com as multas de trânsito deva ser aplicada, exclusivamente, em sinalização, engenharia, policiamento, fiscalização e educação de trânsito. Trata-se, então, de receita com aplicação vinculada e que, portanto, não pode ser objeto de rateio entre os sócios.

E quanto à competência constitucional estadual da PM para exercer o policiamento de trânsito, primeiramente há de se desfazer uma confusão de conceitos. Segundo as definições contidas no Anexo I do CTB, o policiamento de trânsito, efetivamente exercido pelas PMs, é destinado a prevenir e reprimir atos relacionados com a segurança pública, ou seja, crimes. Diferencia-se, pois, da fiscalização de trânsito, que é o controle do cumprimento das normas estabelecidas na legislação de trânsito, por meio do poder de polícia administrativa de trânsito, ou seja, relativamente a infrações administrativas.

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A competência da PM para executar o policiamento de trânsito não afasta, então, a competência do órgão ou entidade municipal em fazer a fiscalização a seu cargo, prevista no artigo 24 do CTB. Aliás, o código, em seu artigo 23, acabou até mesmo por alijar a PM nessa função de fiscalização, exigindo a celebração de convênio com o órgão ou entidade municipal, para que então ela possa exercer essa atividade como agente da autoridade municipal de trânsito e concomitantemente com os agentes municipais.

Dessa forma, não parece subsistirem os argumentos que vêm sendo utilizados em desfavor de a Urbs exercer a fiscalização do trânsito. E considerando a forte carga constitucional envolvida na discussão, a última palavra deverá ser dada pelo Supremo Tribunal Federal.

Carlos Alexandre Negrini Bettes, advogado, é especialista em Trânsito e mestre em Gestão Urbana.