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Felipe Lima

O embaixador Roberto Campos dividia os países em duas categorias: os naturalmente ricos e vocacionalmente pobres, como Brasil e Argentina; e os naturalmente pobres e vocacionalmente ricos, como Japão, Coreia do Sul e Taiwan.

Não dá para entender o Brasil, com território imenso, farto de riquezas minerais, de solo fértil, de biodiversidade, de belezas naturais, mas sem visão estratégica, sem planejamento, sem poupança, sem ética e sem-vergonha. Com tanta riqueza que temos, deveríamos, há décadas, ser um país desenvolvido, com igualdade social, educação universal, saúde privilegiada e segurança pessoal e social.

Estive no Congresso, dias atrás, para combater a reforma da Previdência do governo federal e tentar trazer mais técnica atuarial e justiça social à proposta e, consequentemente, uma solução melhor, que não prejudicasse tanto o trabalhador. Diante de dezenas de deputados, afirmei que a reforma era necessária, urgente, mas errada, como então formatada. Pois não entenderam e confirmaram, com o relatório final, que tudo que é ruim pode piorar.

O primeiro erro do relatório final é a diferenciação das idades mínimas de aposentadoria: 65 anos para os homens e 62 anos para mulheres. As mulheres vivem mais que os homens, recebendo aposentadoria por mais tempo. Não se justifica, portanto, a diferença de idade para aposentadoria, mas, sim, a diferença de tempo de contribuição, pela dupla jornada de trabalho a que estão sujeitas. Deveriam, logo, poder trabalhar e contribuir cinco anos a menos que os homens.

Os deputados confirmaram, com o relatório final, que tudo que é ruim pode piorar

Houve, ainda, alteração no critério da regra de transição, que prevê o acréscimo de 30% de pedágio sobre o tempo de contribuição que falta cumprir na regra atual. Porém, foi acrescentada uma idade mínima escalonada, que sobe a cada dois anos, iniciando em 53 anos para mulheres e 55 anos para homens. Aleatoriamente decidida, é como o cachorro correndo atrás do próprio rabo. Quando completar o pedágio, a idade mínima já terá aumentado.

O benefício inicial considerará todo o período contributivo e não os 80% melhores salários de contribuição. Salários menores de início de carreira vão diminuir a aposentadoria – e a atualização até a hora da aposentadoria pelo INPC reduzirá mais uns 10% do valor –, cujo cálculo começa em 70% dessa média, porcentagem que aumenta progressivamente, sem nenhum critério técnico, chegando aos 100% em 40 anos de contribuição. Compare com a regra atual, pelo fator previdenciário: com 65 anos de idade e 35 anos de contribuição, o resultado já seria de 1, ou seja, o que vale hoje é muito melhor para o trabalhador que o novo cálculo proposto pela comissão de reforma. O trabalhador contribuirá mais do que vai receber. O equilíbrio financeiro e atuarial previsto no artigo 201 da Constituição Federal, e dado pelo fator previdenciário, desapareceu.

A possibilidade de acumulação de aposentadoria e pensão limitada a dois salários mínimos é um absurdo. O cidadão tem de receber o que contribuiu. Trabalhador e esposa, ambos contribuintes por toda a vida para o INSS, terão sua poupança previdenciária “saqueada” pelo teto colocado, perdendo o direito ao benefício integral.

Só há uma mudança que tem justificativa no relatório divulgado: trabalhadores expostos a fatores nocivos, periculosos, insalubres ou a atividades especiais, como professores, policiais e agricultores, têm de ter regras diferenciadas. Não vejo como um policial poderá correr atrás de bandido na rua com 65 nos de idade.

Em resumo, tudo foi decidido aleatoriamente, sem técnica, sem respeitar a evolução demográfica, sem olhar para o futuro, na base da pressão corporativa. Confusa, a “deforma” da Previdência nunca será entendida pelo cidadão comum nem terá longevidade. Ela é inconstitucional, pobre tecnicamente, desequilibrada atuarialmente e injusta socialmente.

Perdemos, ainda, a chance de permitir que o trabalhador, desde o mais simples ao mais qualificado, tenha uma segunda aposentadoria usando parte do FGTS, dinheiro que não sai do seu bolso, para direcioná-lo a uma previdência privada de sua livre escolha, que rende três vezes mais que esse fundo explorado pelo governo.

Com base no improviso e no achismo, vamos deixar para nossos filhos e netos um exemplo péssimo, um passado lamentável e nenhum futuro.

Renato Follador é especialista em previdência e finanças pessoais.
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