| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

O saneamento do setor público brasileiro e de sua interação com a iniciativa privada não se esgota nas investigações em curso, que visam livrar o país de problemas existentes há décadas. É preciso somar a esse importante processo uma profunda reforma do Estado, de modo que seja restabelecida sua função filosófica e constitucional de servir à sociedade, em vez de servir-se dela.

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O custeio da máquina administrativa dos três poderes, nas instâncias federal, estadual e municipal, incluindo as verbas vinculadas e gastos obrigatórios, consome 95% dos impostos pagos pelos brasileiros. Restam, portanto, apenas 5% de recursos discricionários para prover investimentos públicos em áreas fundamentais, como a infraestrutura, o que explica a sua precariedade. E há uma agravante à limitação orçamentária: a baixa produtividade da estrutura altamente burocrática do Estado, que drena recursos e energia da sociedade. Pessoas físicas e jurídicas despendem muito dinheiro e tempo para cumprir todas as regras, pagar impostos e atender às exigências de normas que se alteram constantemente. Há insegurança jurídica e um ambiente que conspira contra a inovação e o empreendedorismo.

Não é justo tratar os empresários como vilões

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Assim, é premente, no contexto das positivas reformas em curso, como a trabalhista, a previdenciária e a tributária, acrescentar uma detalhada revisão de todos os gastos e despesas dos entes da federação, incluindo benefícios exagerados e descabidos, salários irreais para um país de renda média e outros “direitos adquiridos” por vários segmentos privilegiados em detrimento de legítimos “direitos subtraídos” da grande maioria dos cidadãos. É necessária, ainda, uma análise profunda e técnica de todos os incentivos e subsídios existentes, com avaliação criteriosa da taxa de retorno à sociedade e do valor agregado à economia.

A modernização e racionalização da máquina administrativa pública, que devem estar atreladas às reformas estruturais em andamento, precisam ser feitas com absoluta transparência e definição correta dos conceitos, a começar por uma visão de orçamento base zero. Nesse sentido, é preciso valorizar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA) como peças de imensa importância e voltadas ao atendimento das prioridades nacionais, à luz das demandas reais e das constantes transformações do país e do mundo.

Também é necessário corrigir o antigo vício de utilizar artifícios semânticos para justificar equívocos que não conseguimos reparar. Um exemplo é o grave rombo fiscal, cujos números são oficialmente abordados pelo conceito do “déficit primário”. Ora, o que importa é o déficit nominal, que expressa a realidade a ser enfrentada e que este ano deverá chegar a R$ 600 bilhões, dos quais R$ 441 bilhões, pasmem, referem-se ao pagamento de juros pelo Estado.

Esses números evidenciam o quanto é danosa a política de juros básicos elevados praticada nos últimos 20 anos, pelo menos, mostrando haver um desequilíbrio fiscal jamais enfrentado. Nesse contexto, buscam-se, mais uma vez, algumas justificativas retóricas para se imputar responsabilidades a quem não as tem. Refiro-me, por exemplo, à Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), utilizada para balizar os créditos concedidos no âmbito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Há quem tenha coragem de chamar de subsídios juros mínimos de 7,5% ao ano, que se transformam em 15% quando computados o spread e outros custos. Trata-se de porcentual muito mais elevado do que taxa básica de países que vêm se desenvolvendo em ritmo acelerado. O Brasil precisava nivelar os juros por baixo, sem voluntarismo e de maneira estrutural, e não aumentar a única taxa minimamente viável, como estabelece a Medida Provisória 777. Por que mexer apenas na TJLP no âmbito dos créditos do BNDES? Este importantíssimo banco de fomento segue políticas públicas estabelecidas pelos governos em exercício e, de uma hora para outra, parece que todos os males dos desequilíbrios orçamentários nacionais ficaram concentrados nessa instituição. Isso é um erro e uma injustiça.

Leia também:Depois da Selic, é hora da TJLP (artigo de Leonardo de Siqueira Lima, publicado em 24 de janeiro de 2017)

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Nossas convicções: A finalidade do Estado e do governo

Não é justo, ademais, tratar como vilões os empresários, dentre os quais os pequenos e médios, que utilizam os créditos do BNDES (cada vez mais escassos na rede bancária comercial) para empreender, criar empregos, gerar riquezas e pagar impostos. Se exageros existem, que sejam corrigidos, mas que não se coloque sobre quem produz e trabalha a pecha de usufruidor de recursos da sociedade em proveito próprio. Comprar máquinas para produzir não é gasto supérfluo. Sem investimento não há produtividade – este, sim, fator crucial para o desenvolvimento dos negócios e dos países. Não existe a propalada “bolsa empresário”. Aliás, se existe, é a dos rentistas recebedores dos juros mais altos do planeta.

Aliás, muito se tem discutido sobre uma pretensa baixa produtividade/competitividade da indústria brasileira. Cabe considerar que, apesar dos altos juros e impostos, burocracia e insegurança jurídica, temos fábricas modernas, que enfrentam diária disputa com os concorrentes internacionais, de diversos níveis de desenvolvimento, mantendo posição relevante na manufatura mundial. Um exemplo disso é o nosso setor têxtil e de confecção, o quinto maior do mundo e empregador de 1,5 milhão de pessoas diretamente. Imaginem onde poderíamos estar se não tivéssemos todas as agruras dos custos e dos sustos do Brasil...

Não é mais possível e desejável escamotear a verdade. Chegou a hora! Todos precisam fazer sua parte para a retomada do crescimento econômico e o desenvolvimento de nosso país, e essas conquistas serão inviáveis com um Estado que gasta quase tudo o que a sociedade produz, aumenta impostos em vez de reduzir despesas para resolver sua equação fiscal e entrega quase nada em serviços e investimentos. Não basta combater o crime de corrupção. Muitas vezes, as transformações da história também exigem a consciência de que nem sempre o legal é ético!

Fernando Valente Pimentel é presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).