Câmara aprovou projeto que muda regras do Imposto de Renda.| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo/Arquivo
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As alterações legislativas da chamada reforma do Imposto de Renda – que não passam de uma série de alterações assistemáticas e desconexas na legislação –, apesar de em um primeiro momento darem a impressão de serem um Robin Hood legislativo, com a concessão de benefícios aos assalariados e autônomos, em contrapartida à oneração dos mais ricos, estão longe de chegar perto da tão pretendida justiça tributária.

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Em primeiro lugar, temos de lembrar que os maiores problemas tributários do Brasil não estão concentrados na tributação da renda, mas na tributação sobre o consumo, extremamente regressiva – Silvio Santos, por exemplo, paga 31% de impostos, em média, sobre o combustível; o mesmo porcentual que paga alguém que ganha o salário mínimo.

No mais, é ridícula a alegação de que a tributação dos dividendos, trazida pela reforma, é necessária para que o governo pudesse conceder o benefício da atualização da tabela do Imposto de Renda Pessoa Física. Nenhum benefício está sendo concedido! O que há é mera atualização monetária – insuficiente e atrasada – da tabela progressiva do IR. Não há ganho para os contribuintes, mas apenas interrupção de uma cobrança indevida que vem acontecendo há anos. E pior, a atualização proposta nem sequer comtempla toda a defasagem, pois, se computada a atualização real da tabela, de acordo com a inflação, o valor de isenção chegaria perto de R$ 5 mil.

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De mais a mais, a “isenção dos dividendos”, que constituir-se ia em uma benefício fiscal aos mais ricos, é na verdade uma falácia. Os lucros e dividendos são provenientes da receita da empresa, que no Brasil é altamente tributada na pessoa jurídica. Desde 1996, o lucro das empresas no país é tributado exclusivamente na pessoa jurídica, a uma alíquota média de 34%, superior à àquela aplicável às pessoas físicas, que pode chegar até no máximo 27,5%. Essa sistemática nunca privilegiou “os ricos”, como fazem crer os defensores desta reforma. O lucro distribuído ao sócio é pesadamente tributado na pessoa jurídica antes de chegar às mãos daquele, sendo importante ainda ressaltar que “esse sócio” não é apenas o acionista das grandes empresas, mas o dono da padaria da esquina, do salão de beleza do bairro, ou da lojinha de presentes de perto de casa, dentre tantos outros empreendimentos do país.

Em outros países há sistemas diversos; alguns, de fato, deixam de tributar a renda na pessoa jurídica, fazendo-o apenas nas mãos dos acionistas; outros repartem a tributação nas duas etapas, parte na pessoa jurídica, parte na pessoa física dos sócios. Entre os países da OCDE, todos tributam os dividendos de alguma forma, mas também todos calibram a tributação para que os rendimentos empresarias não sejam onerados de forma muito diferente das pessoas físicas (assalariados/autônomos), ou de forma confiscatória. Nos Estados Unidos, por exemplo, a tributação das pessoas físicas chega a 39,5%; já o lucro das empresas é tributado em 21% e os lucros distribuídos podem ser tributados em até 20%, em uma alíquota final de até 41%, muito próxima daquela aplicada aos indivíduos.

No Brasil, mesmo com a redução da alíquota-base do IR para as pessoas jurídicas de 15% para 8%, e da CSLL de 9% para 8%, a tributação das empresas será de 26% (considerando-se o adicional do IR de 10%, que não foi alterado), acrescida aos 15% sobre os dividendos, de forma que chegaremos a uma alíquota média de 41% sobre a renda auferida pelas empresas (e, consequentemente, por seus sócios), enquanto os assalariados/autônomos pagarão até 27,5%. Uma diferença de quase 15 pontos entre a tributação das pessoas físicas e as jurídicas, sem levarmos em consideração que as empresas ainda pagam PIS/Cofins (na melhor das hipóteses, 3,65% sobre o faturamento, e que pode chegar à estrondosa alíquota de 12%, caso aprovado o projeto de unificação das contribuições proposto pelo governo), bem como possivelmente IPI, ICMS ou ISS, Cide, CFEM etc., todos estes tributos incidentes sobre as atividades empresariais.

E tem mais: os assalariados e autônomos pagam alíquota máxima de 27,5%, mas como adiantamento na declaração de ajuste anual do IR e, portanto, podem se valer de reduções e descontos que adequem o valor retido à efetiva capacidade contributiva. No caso do IR incidente sobre os lucros e dividendos, a tributação será definitiva na fonte, sem possibilidade de qualquer ajuste ao fim do ano.

E, mesmo que a tributação sobre os lucros das empresas fosse próxima àquela dos assalariados e autônomos, a cobrança de alíquota linear de 15% para todas as rendas, com isenção apenas para quem recebe lucros e dividendos de empresas do Simples ou que recolhem o IR no lucro presumido, com faturamento anual de até R$ 4,8 milhões, não respeita o princípio da capacidade contributiva: um sócio que recebe R$ 30 mil será taxado de forma idêntica a um que recebe R$ 3 mil.

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Em análise ainda mais pessimista, corremos risco de desestimular o crescimento das empresas; afinal, qual o interesse do empreendedor em aumentar seu negócio se passará a pagar mais imposto sobre sua renda pessoal pelo simples fato de faturar acima de determinado limite, lembrando aqui que faturamento não corresponde a lucro?

Há de se considerar, ainda, que a tributação dos dividendos, como será no Brasil, trará de volta planejamentos tributários mirabolantes para se fugir do imposto, as infindáveis discussões acerca da distribuição disfarçada de lucros, bem como aumentará sobremaneira a complexidade da fiscalização. Em um momento no qual estamos discutindo e necessitando de uma redução da máquina pública e aumento de serviços públicos realizados de forma automática, a Receita Federal do Brasil precisará aumentar, e muito, o contingente de fiscais contratados para “vigiar” as empresas e evitar a sonegação.

No fim, as alterações no IR das pessoas jurídicas aprovadas pela Câmara trarão uma absurda oneração dos agentes econômicos e acabarão atingindo em cheio aqueles que se pretendia proteger, os assalariados. Serão estes que sofrerão as maiores perdas, com desemprego, aumento de preços e economia decadente.

Maria Carolina Sampaio é professora e advogada com atuação na área do Direito Tributário.