Para defender o financiamento público eleitoral, muitos dos seus simpatizantes têm alegado que “empresa não vota; portanto, não pode financiar campanhas eleitorais”. O raciocínio, no limiar da superfície, parece perfeito; a questão, todavia, envolve lógicas mais profundas, exigindo prudência e espírito crítico elevado. Sim, empresa não vota, mas paga tributos, cria empregos, produz inovações, gera oportunidades de trabalho e, ao longo da curva, induz o progresso econômico, humano e social. Por assim ser, é natural que o setor empresarial tenha e lute por legítimos interesses políticos, exercendo a justa prerrogativa de participar dos destinos democráticos do país.
Na verdade, os defensores do financiamento público de campanha defendem uma novidade velha e mofada. Isso porque, quando da ditadura militar, a Lei 5.682/71 proibia as empresas privadas de contribuírem aos partidos (art. 91). Para manter o poder fechado, era preciso asfixiar a livre participação política, evitando-se que o empresariado nacional patrocinasse o surgimento de novas lideranças públicas. A manobra jurídica surtiu o efeito desejado aos donos do poder. Silenciosamente, foi formado o “maior partido do ocidente”, uma máquina eleitoral imbatível que, sem escrúpulos, condenou a oposição a duas décadas de derrotas permanentes.
Com a redemocratização, o paradigma legislativo foi alterado pela Lei 9.096/95, tendo sido adotado o padrão da liberdade contributiva. Adicionalmente, como forma de garantir a lisura dos pleitos, foi estabelecido o fidedigno dever de prestação de contas à Justiça Eleitoral. Ou seja, o atual critério, além de privilegiar a livre participação política, estabeleceu a regularidade das contas eleitorais como um requisito obrigatório de legitimidade pública. Moral da história: o acesso ao poder pressupõe exatidão e honestidade nas contas prestadas à Justiça; eventual falseamento dos valores informados ao órgão fiscalizador configura objetiva fraude democrática e, por consequência, obtenção inconstitucional do mandato popular.
Apesar da clareza normativa, os recentes escândalos políticos bem retratam que algumas contas partidárias acabaram inundadas por dinheiro ilícito, colocando em xeque a verdade das urnas. Nesse contexto sombrio, o que temos de combater é a ação fraudulenta nas contas eleitorais e não o democrático direito das empresas de colaborarem com candidaturas políticas. Aliás, não existe dispositivo constitucional proibindo as empresas de contribuir eleitoralmente. Tanto é verdade que, por mais de 20 anos, há eleições com contribuições empresariais sem qualquer tipo de questionamento quanto à validade dos pleitos pretéritos. Tal fato, por si só, revela a absoluta fragilidade da tese de inconstitucionalidade do financiamento privado eleitoral.
O que temos de combater é a ação fraudulenta nas contas eleitorais e não o democrático direito das empresas de colaborarem com candidaturas políticas
Acontece que, por iniciativa da Ordem dos Advogados do Brasil, a questão foi judicializada e levada a conhecimento do Supremo Tribunal Federal; o julgamento está suspenso por força de pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. O caminho judicial, no entanto, soa impróprio. Isso porque estamos diante de uma questão fundamentalmente política e não jurídica. Dessa forma, a modalidade de financiamento eleitoral deve ser tratada e debatida prioritariamente no Congresso Nacional. E tal discussão há de ser aprofundada em todas as suas complexas variáveis, exigindo intensa participação das forças plurais que compõem o parlamento brasileiro, sujeitando-se ainda à crítica responsável da opinião pública e do jornalismo independente.
Sem cortinas, a função político-normativa da Suprema Corte não lhe permite ditar regras da alçada exclusiva do Poder Legislativo. Por mais que queira, o juiz constitucional não pode redesenhar as regras do sistema eleitoral, criando traços e horizontes completamente distantes da soberana prerrogativa de bem interpretar a lei. E, no caso, não existe dispositivo legal proibindo as empresas de contribuir eleitoralmente. Assim sendo, a ânsia pela boa reforma política não pode gerar estridentes deformas constitucionais. Ou será que, no Brasil de hoje, a bagunça é geral?