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Reforma da Previdência sem estados e municípios é constitucional?

(Foto: Roque de Sá/Agência Senado)

O ponto de partida para responder à pergunta do título é saber que o parlamento federal, quando legisla para modificar a Constituição Federal, é um constituinte derivado nacional; como tal, ele estará legislando, necessariamente, para o Estado nacional, para a República, que é composta pela União, estados, municípios e o Distrito Federal.

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu dois regimes previdenciários distintos, a partir da diferença que fez, em seu próprio texto, entre dois regimes laborais: o celetista e o estatutário. A partir daí, a estrutura constitucional instituiu, para todos os brasileiros enquadrados em um ou outro regime previdenciário, regras básicas específicas: para o regime celetista, as regras obrigatórias do artigo 7.º; para os estatutários, as regras contidas no artigos 39 e seguintes.  Todas elas, necessariamente, normas constitucionais nacionais.

Na estrutura do sistema jurídico brasileiro, o Congresso Nacional, ao editar normas infraconstitucionais, pode dar-lhes caráter exclusivamente federal quando são aplicáveis apenas à União, como normas sobre bens públicos da União; ou pode editar normas denominadas de nacionais, como normas civis sobre matrimônio, aplicáveis a todos os cidadãos em qualquer parte do país. Quando as normas são nacionais, como as que legislam sobre as relações civis, sobre os direitos trabalhistas ou sobre o direito comercial, é evidente que estas normas não poderão fazer distinções no âmbito de sua aplicação territorial, ou seja, de estado para estado, ou mesmo de município para município.

As normas constitucionais, para serem republicanas, não poderão ter incidência exclusiva sobre a esfera federal

Mas, no âmbito constitucional, o constituinte derivado não legisla apenas para a União, mas para toda a nação, que, na forma do artigo 18 da Constituição Federal, é composta, obrigatoriamente, pelos quatro entes: União, estados, municípios e Distrito Federal. Diz este artigo que "A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição". E diga-se que cada ente mencionado no dispositivo acima é autônomo, a partir dos termos da Constituição, que, conforme o artigo 5.º, inciso I, deve dar tratamento jurídico igual aos todos os brasileiros que, estando nas mesmas condições de igualdade de situação, devem ter o mesmo tratamento normativo.

Ora, se a Constituição Federal decidiu dispor em seu texto sobre a organização administrativa de um sistema previdenciário específico para o regime estatutário, o seu caráter somente poderá ser nacional, isto é, aplicável a toda a República, nos termos do artigo 18 da Constituição Federal. Neste sentido, no âmbito de emendas constitucionais sobre regimes previdenciários, uma vez que o constituinte decidiu que a matéria tenha caráter constitucional, o constituinte derivado só poderá dispor sobre regras de incidência nacional, pois esta é a natureza das normas constitucionais: elas, para serem republicanas, não poderão ter incidência exclusiva sobre a esfera federal.

Se o congressista quiser fazer regras previdenciárias do regime estatutário específicas para cada um dos entes políticos, terá de se despir de sua vestimenta de constituinte nacional derivado, desconstitucionalizando o tema. E, a partir daí, abrirá margem para permitir que cada um dos entes federativos, por sua legislação infraconstitucional, disponha livremente sobre a matéria. É isto que quer o parlamento? Parece que não.

O parlamentar eleito para o Congresso Nacional tem, portanto, duas vestimentas: a de constituinte derivado nacional, e a de legislador federal. Quando atua como constituinte nacional, ele não pode pretender se travestir de legislador infraconstitucional, eis que, como constituinte, ele tem a responsabilidade de legislar, sempre, para a República como um todo, com os seus bônus e também com os seus ônus.

Sonia Rabello é professora titular aposentada de Direito Administrativo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).

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