Depois de estudar e trabalhar internacionalmente com aspectos de governança e desenvolvimento por mais de 40 anos, passando por mais de 80 países, naturalmente fiquei muito curioso em entender o que o governador Tarcísio de Freitas quis dizer com uma reforma tributária apoiada em uma “governança algoritmizável”. Ficou claro que o governador Tarcísio quer confiar quase cegamente (95%, segundo ele) na chamada “Governança do Conselho Federativo” e em critérios técnicos para gerenciar uma reforma tributária em um país politicamente complexo como o Brasil.
Sei que o governador é um técnico competente, eleito para governar o estado mais rico do país por causa do seu histórico de realizações práticas e inaugurações de obras. Ninguém inaugura tantas obras sendo incompetente ou ingênuo. A estrutura tributária de um país define o tamanho do Estado. O tamanho e o papel do Estado são discussões que têm permeado todo o debate político desde a criação dos chamados Estados modernos a partir do século XVII. Muitos acadêmicos concordam que o sistema estatal moderno se originou com a assinatura do Tratado de Westfália em 1648, que estabeleceu o conceito de Soberania do Estado.
Faço parte das dezenas de milhões de brasileiros vendo raposas debater o que fazer com os ovos do galinheiro, e com as galinhas.
Mas nunca houve consenso sobre como o Estado deve orientar o funcionamento do mercado, estabelecer regras para a política comercial e cambial, apoiar o desenvolvimento do setor privado, estimular geração de empregos, equilibrar a política econômica com a política social ou recolher impostos.
Quem tenta entender um pouco de Aristóteles, Maquiavel, Marx, Weber e outros teóricos que escreveram sobre o papel do Estado sabe que a teoria na prática é outra. Não estou nem discutindo a questão esquerda X direita. Nem discuto as discordâncias entre Poulantzas, Althusser e Miliband no espectro político-econômico da esquerda versus Sowell, Hayek e Friedman no espectro político-econômico da direita. Na prática, tudo isso é irrelevante para nossa reforma tributária. O mais importante são os detalhes de quem vai pagar quanto. Simples assim. O arquiteto Ludwig Mies van der Rohe (1886-1969) disse que Deus está nos detalhes. Na arquitetura de uma Nação, o diabo está nos detalhes.
Max Weber, por exemplo, acreditava em uma administração pública baseada em racionalidade, hierarquia, profissionalismo, e tomada de decisões baseada em regras – não em politicagem. Aparentemente, o governador Tarcísio também acredita nisso. Depois de estudar dúzias e dúzias de casos e autores por anos a fio, pude ver na prática que muitas ideias maravilhosas não funcionavam na África, Ásia e América Latina. E me perguntei: por quê? Pelas mesmas razões apontadas por todos os brasileiros quando perguntados quais são os maiores problemas do país: corrupção, violência e criminalidade, baixa qualidade da educação, infraestrutura deficiente, desemprego. Esses problemas não acontecem de forma isolada um do outro. Pelo contrário, há relações muito significativas entre eles.
O Brasil pareceu melhorar de fato quando Bolsonaro nomeou um ministério técnico e reduziu significativamente o número de ministérios, combateu a corrupção e o tráfico de drogas de modo sistêmico, reduziu homicídios e crimes violentos em aproximadamente 25%, transformou estatais em instituições lucrativas, reduziu invasões de terra que inibiam investimentos no setor agro, criminalizou a compra de votos, implementou a simplificação dos pagamentos por Pix, apoiou auditorias nos pagamentos do INSS, cortou cabides de emprego, cortou a propaganda estatal, entre outras medidas que economizaram bilhões ao Estado.
Todos os autores em todas as épocas concordam em um ponto chave: qualquer reforma tributária começa quando há economia de gastos estatais. Segundo a Exame, o governo atual liberou o pagamento de R$ 5,3 bilhões em emendas Pix para estados e municípios, sem transparência e fiscalização, na véspera da votação da reforma tributária – a qual foi aprovada por 375 votos favoráveis e 113 contrários no segundo turno, na madrugada de sexta-feira dia 7 de julho. Uma reforma tributária que começa coincidindo exatamente com liberação de verbas estatais contradiz tudo o que já se considerou uma boa prática de governança.
Quero confiar na boa vontade técnica do governador Tarcísio, apesar de não concordar que a governança de um sistema tributário possa ser decidida no Brasil de modo técnico – ou mesmo algorítmico – por um conselho. Ou que o funcionamento de uma câmara de compensação possa acontecer realisticamente de modo apartidário nesse país. Além da gestão anterior que tinha Tarcísio como ministro, não consigo lembrar de nenhum outro momento quando decisões técnicas prevaleciam de verdade sobre a tradicional política perdulária e clientelista nesse país – caracterizada pelo famoso “toma-lá-dá-cá”.
No momento, apenas faço parte das dezenas de milhões de brasileiros vendo raposas debater o que fazer com os ovos do galinheiro, e com as galinhas, enquanto suamos na nossa rotina diária, esperando ardentemente que nossa carga tributária não aumente ainda mais. Qualquer computador ou algoritmo pode confirmar que se o Brasil não se tornar um Estado menos esbanjador e mais produtivo com urgência urgentíssima, essa reforma certamente vai acabar saindo do nosso bolso.
Jonas Rabinovitch é arquiteto urbanista com 30 anos de experiência como Conselheiro da ONU em inovação e gestão pública e mestre em Economia de Desenvolvimento Urbano pela Universidade de Londres.
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