A chamada PEC-45-A, aprovada pela Câmara dos Deputados e encaminhada ao Senado Federal, aprovou o texto base da reforma tributária. O texto altera completamente a sistemática de tributação sobre o consumo no país, impactando a principal instrumento tributário à disposição dos estados, o ICMS; substituindo-o pelo Imposto sobre Bens e Serviços o IBS. É fato que após discussões havidas na Câmara dos Deputados, muito por pressão dos governadores, estados como o Paraná conseguiram obter concessões a evitar prejuízos às suas contas e a sua atividade produtiva; tais como: a melhor definição da composição do Conselho que cuidará da arrecadação e gestão do IBS; a criação de uma cesta básica nacional, prevendo os produtos isentos do tributo, a garantia de alíquotas reduzidas ou isentas para atividades essenciais ao estado, como as vinculadas ao setor agropecuário.
Mas ainda há alguns pontos que merecem a atenção dos senadores paranaenses, especialmente aqueles que se relacionam com o fim dos benefícios fiscais concedidos pelos estados. É verdade que as renúncias fiscais concedidas unilateralmente pelos entes estaduais estão na base da chamada “guerra fiscal”, que a reforma proposta tem como objetivo acabar ao unificar a arrecadação e gestão dos tributos sobre consumo. E é inegável que a concessão de incentivos fiscais representa uma das principais ferramentas, não só de gestão tributária, como, também, de organização política e econômica dos entes subnacionais.
A PEC-45-A pretende acabar com todos os incentivos fiscais estaduais, incluídos programas consolidados como o Paraná Competitivo.
O Paraná, por exemplo, ao longo de mais de 30 anos experimentou um crescimento econômico e a instalação de novos setores produtivos no estado muito por conta, inicialmente, de benefícios e incentivos fiscais concedidos ao longo desse período, como por exemplo, ao setor automotivo instalado na Região Metropolitana de Curitiba. Hoje, o programa Paraná Competitivo representa importante ferramenta de atração de investimentos ao estado, proporcionando a descentralização e diversificação econômica por todas as regiões paranaenses. O programa, que é o principal instrumento de política fiscal vigente, prevê a concessão de uma série de incentivos fiscais e financeiros com prazo certo de vigência, exigindo contraprestações por parte dos beneficiados; como a manutenção ou criação de novos postos de trabalho, diversificação de produção etc.; tendo sido responsável por mais de R$ 25 bilhões de investimentos e a geração de 15 mil empregos diretos e indiretos nos últimos quatro anos.
Pois bem, a PEC-45-A pretende acabar com todos os incentivos fiscais estaduais, incluídos programas consolidados como o Paraná Competitivo, a partir de 2032. Em troca, prevê a criação de dois fundos constitucionais para compensar, de um lado, as perdas sofridas pelas empresas já beneficiadas e, por outro, garantir aos estados recursos para aplicar em desenvolvimento regional. O primeiro deles é o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais ou Financeiros Fiscais do ICMS. Os recursos desse fundo serão aportados pela União ao longo de oito anos e somarão o valor de R$ 160 bilhões de reais a serem destinados às empresas beneficiadas por incentivos fiscais ou financeiros fiscais concedidos pelos estados, por prazo certo e sob condição; como é o caso daqueles vinculados ao Programa Paraná Competitivo. Pelo mecanismo, empresas que tenham obtido benefícios desta natureza até 31 de maior de 2023 serão elegíveis para serem compensadas, em dinheiro e diretamente, pelo referido Fundo.
Não devemos perder a oportunidade de criar um Fundo de conotação nacional com critérios objetivos e republicanos.
Quanto ao tema é preciso que se altere o marco temporal fixado pela PEC-45, que deveria ser estendido até o último dia da transição e da vigência do ICMS, ou em data próxima a essa, para que os programas de incentivo não percam sua atratividade antes do tempo de encerramento do próprio tributo que beneficiam. Além disso, se faz necessário esclarecer se os R$ 160 bilhões destinados ao Fundo serão suficientes para fazer frente aos incentivos concedidos pelos mais diversos programas de atração de investimento espalhados pelos estados e pelo Distrito Federal, cujas regras de destinação também não estão claras.
Uma vez findo os incentivos fiscais concedidos pelos estados, tolhe-se dos entes subnacionais importante instrumento de promoção do desenvolvimento regional. Em substituição, a PEC aprovada na Câmara prevê a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, também a ser formado por recursos da União a serem repassados aos estados, municípios e ao Distrito Federal.
O texto aprovado é genérico ao extremo, prevendo apenas a criação do Fundo, sem apontar claramente a origem dos recursos e como serão distribuídos, limitando-se a apontar que serão destinados à realização de projetos de infraestrutura, fomento de atividades produtivas e promoção de ações de desenvolvimento tecnológico. Qual o montante será destinado? Quem decidirá a concessão dos recursos? Como se dará a divisão? Todas essas perguntas devem ser respondidas e detalhadas pelos Senadores ao analisarem a proposta que lhes foi encaminhada.
Não devemos perder a oportunidade de criar um Fundo de conotação nacional com critérios objetivos e republicanos, que busque proporcionar o desenvolvimento regional equânime de todo o país, sem, contudo, deixar de prestigiar as regiões mais representativas do ponto de vista populacional e produtivo. Daí porque, critérios como número de habitantes, participação no PIB e nas exportações devem ser defendidos pelos Senadores paranaenses.
Lembremos que o Paraná ao mesmo tempo que detém a quarta maior economia regional do país, contribuindo com 6,4% do PIB nacional, com 5,6% da população brasileira, possui regiões altamente pobres e carentes de infraestrutura e incentivos, com municípios entre os piores IDHs do Brasil – como os do Vale da Ribeira –, que não podem ser prejudicados com o fim de políticas fiscais indutoras como as previstas no Paraná Competitivo, que prestigiavam e facilitavam, em alguma medida, a instalação de empreendimentos nessas regiões mais necessitadas.
Para além das questões conceituais em torno do texto da reforma tributária, é preciso que o Senado Federal deixe-a mais clara, apresentando critérios mais objetivos em questões sensíveis, evitando que toda a concretização seja feita por lei complementar ainda sequer conhecida; em especial em questões sensíveis à Federação e ao desenvolvimento dos estados como os acima expostos.
Carlos Gasperin é advogado, doutorando em Direito Constitucional e Processual Tributário, mestre em Direito Tributário e especialista em Direito Tributário. É membro da Comissão de Direito Tributário da OAB-PR.