No atual cenário, é irreal pensar em uma reforma que possa reduzir a carga tributária brasileira. Em primeiro lugar, porque um país em desenvolvimento precisa de recursos não só para fazer a roda girar, mas também para construir a roda, o que chamamos de infraestrutura básica: educação, saúde, segurança, ciência e tecnologia, logística etc. Se quase tudo é precário, é controverso afirmar que sobram recursos. Dito isso, vamos ao segundo ponto: em períodos de crise, a arrecadação já não é suficiente para arcar com o básico. Temos um Estado ineficiente, que confunde despesa com investimento; que, quando investe, investe mal; que perpetua privilégios, vive de burocracias e serve menos ao povo que à sua própria estrutura. Esse segundo ponto nos enfurece, e por vezes concluímos que a solução é não ter Estado, mas será que a arrecadação brasileira é alta, quando olhamos para fora de casa?
A partir de dados divulgados pela OCDE (base 2016), ao comparar a carga tributária brasileira com a de outros países da América Latina, ficamos em segundo lugar, com carga de 32,2% do PIB, perdendo apenas de Cuba (41,7%). Muita calma: antes de repetir aquele mantra de que o excesso de governo transformaria o Brasil em Cuba ou Venezuela, vamos localizar este segundo país na 17.ª posição entre os países da América Latina, com carga de apenas 14,4%, o que nos leva a concluir que, ao menos no que se refere à carga tributária, parece que ainda estamos bem distantes de ambos. Quem têm carga bem próxima da nossa são os vizinhos da Argentina (31,3%).
E se compararmos o Brasil não com países mais pobres, mas com aqueles que, em alguns aspectos, gostaríamos de copiar? Acho fundamental ter humildade e aprender com modelos que funcionam bem. As empresas fazem muito isso, mas os governos infelizmente preferem inventar as tais “jabuticabas”, soluções ainda não experimentadas em outros lugares do mundo.
Dos países-membros da OCDE com dados disponíveis, 30 são considerados como economias desenvolvidas, e apenas Hungria, Polônia, Turquia, Chile e México como emergentes. Desses 35 países, 22 têm carga tributária maior que a do Brasil, e outros 13 têm carga menor que a nossa. Dos cinco países considerados como economias emergentes, apenas a Hungria tem carga tributária bastante alta (39,4%), enquanto a Polônia (33,6%) não está tão acima do Brasil, e Turquia (25,5%), Chile (20,4%) e México (17,2%) têm cargas tributárias bastante baixas.
Aparentemente, existe correlação positiva entre carga tributária e desenvolvimento econômico, embora o modelo americano mostre que um país desenvolvido não precisa ter carga tão alta. A nação do Tio Sam tem a quinta carga tributária mais baixa entre os 35 países da amostra.
Ignorando o tamanho do Estado e a ausência de folga orçamentária, poderíamos pensar sobre o nível de arrecadação tomando por base algum modelo que gostaríamos de seguir, desde o dos Estados Unidos, de baixa arrecadação (26%), mas sem serviços como universidade gratuita ou acesso universal à saúde, até os modelos de Dinamarca, França ou Finlândia, que lideram os gastos públicos com bem-estar social, mas têm carga tributária superior a 44%.
Do lado do gasto e da eficiência, seria um sonho tomar os países desenvolvidos como benchmark. Por aqui, o alto escalão dos três poderes e do Ministério Público recebe salários muito superiores à média do setor privado, benefícios fartos e, no geral, o não cumprimento de uma meta não afeta sua remuneração (isso quando existem metas). O gasto com funcionalismo público está entre os mais representativos do orçamento, mas a qualidade dos serviços, no geral, é muito baixa.
Do lado da arrecadação, é preciso entender (e mudar) o fato de que os mais pobres pagam porcentualmente mais impostos que os ricos. Isso porque tributamos muito mais o consumo do que a renda e o patrimônio, de forma que um cidadão que consome toda a sua renda paga muito mais que um outro que consegue guardar parte dos rendimentos e vai acumulando patrimônio.
No Brasil, os impostos sobre o consumo representam praticamente metade da arrecadação brasileira, muito acima da média dos países da OCDE, que fica abaixo dos 40%. Também tributamos muito mais a folha de pagamento do que países desenvolvidos, um desincentivo à criação de empregos. De outro lado, no Brasil os tributos sobre a renda representam apenas 20% da arrecadação, enquanto a média da OCDE é algo próximo de 40%. Por último, os impostos sobre a propriedade, que no Brasil representam apenas 4,6%, entre os países da OCDE representam 6,48%. Pensando em corrigir essa injustiça, poderíamos tomar como modelo um país específico ou mesmo a média dos países mais bem-sucedidos.
Em termos operacionais, nosso sistema tributário é ruim tanto para as pessoas e empresas que querem pagar seus impostos corretamente como para as entidades fiscalizadoras. A complexidade facilita as maracutaias e encarece o processo de tributação. Temos tributos diferentes que incidem sobre o mesmo fato gerador e praticamente sobre as mesmas bases de cálculo. Para as empresas, cada imposto ou contribuição gera um custo de observância, pois há alíquotas, bases de cálculo, deduções, incentivos, regras e datas de recolhimento a serem observadas.
O primeiro passo da simplificação pode ser a unificação de tributos similares, e também das datas de recolhimento dos tributos (impostos, contribuições e taxas). Um outro passo possível, e na minha visão necessário, é mudar o modelo de redação das leis tributárias e instruções normativas, que hoje estão sujeitas a todo tipo de puxadinho. Por exemplo, atualmente, nas instruções que versam sobre IRPJ, CSLL, contribuição para o PIS/Pasep e Cofins, existem diversos parágrafos que criam regras iguais ou similares às de outros parágrafos da mesma norma, porém destinados a segmentos distintos. Normas eficientes são aquelas que conseguimos esquematizar, desenhar, são feitas de poucas regras, genéricas, e a essas regras cada negócio específico deveria se relacionar a partir de um hub ou de algum tipo de tabela.
O tema é extremamente complexo; por isso, no lugar de uma nova jabuticaba, eu gostaria de enxergar regras simples e humildade para se inspirar em modelos já provados.
Eric Barreto é professor do Insper.
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