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Em nosso último artigo nesta Gazeta do Povo comentamos algumas evidências que apontam para a superioridade – em termos de bem-estar – de ajustes fiscais realizados predominantemente por cortes de gastos em relação aos feitos por aumentos de impostos. A despeito das evidências, o que o governo federal propôs é uma estratégia baseada efetivamente em aumentos de arrecadação que sustentem gastos públicos que, aliás, podem até aumentar caso o Congresso apenas aprove tudo o que foi proposto.
Outro ponto importante da combinação “arcabouço fiscal” e “reforma tributária” ora em curso é a questão regional. Diversos governadores – e um número crescente de prefeitos – começaram a perceber que, não necessariamente, a reforma atual vai lhes garantir uma gestão tranquila no futuro próximo. Um estudo do IMB do estado de Goiás sugere perda de arrecadação potencial em 41% dos municípios no estado (além de uma alíquota estimada do IVA em torno dos 30%). Em outras palavras, não apenas os mandatários atuais, mas seus inimigos políticos que estarão em disputas eleitorais no próximo ano foram obrigados a ajustarem suas expectativas quanto ao futuro de suas carreiras políticas de maneira que não esperavam.
Ajustes fiscais feitos pelo aumento de receitas podem exigir maior sacrifício dos eleitores, boa parte dos quais, inclusive, são também pagadores de impostos.
No último Informativo FIPE, os professores Carlos Nathaniel Rocha Cavalcante e Rodrigo de Losso, analisando a realidade dos municípios paulistas, chamam a atenção para um problema recorrente do federalismo brasileiro que é o da elevada dependência de muitos municípios de transferências intergovernamentais aliada à baixa eficiência arrecadatória. O problema, é bom lembrar, não é exclusivo do estado de São Paulo. Situação similar pode ser encontrada em praticamente todos os estados da federação.
Há muitos anos a comunidade acadêmica discute alternativas à regra da mais famosa transferência constitucional: o Fundo de Participação de Municípios (FPM). A despeito de tantas pesquisas, os resultados do último Censo, mostrando queda de população em diversos municípios, causaram um alvoroço em Brasília. Afinal, a perda de população significa, obviamente, menor necessidade de bens públicos locais e, portanto, deveria mesmo significar menor necessidade de recursos. Contudo, a lógica econômica não é a mesma dos políticos que, geralmente, veem as transferências como um substituto do eleitoralmente impopular esforço arrecadatório próprio.
Deste modo, ajustes fiscais feitos pelo aumento de receitas podem exigir maior sacrifício dos eleitores (boa parte dos quais, inclusive, são também pagadores de impostos) e este problema tem uma dimensão importante: a regional. Neste sentido, a recente publicação do texto para discussão “Reforma Tributária no Brasil: Impactos Regionais da PEC 45/2019”, dos pesquisadores Eduardo A. Haddad, Inácio F. Araújo e João Gabriel Sacco traz mais elementos não necessariamente alvissareiros.
Os resultados deste exercício mostram que a PEC 45/2019 pode gerar um aumento do PIB nacional, mas os efeitos regionais não são homogêneos. Há, por exemplo, aumento da desigualdade regional (em suas simulações, perdem arrecadação os seguintes estados: Amazonas, Bahia, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Goiás). Em outras palavras: um sistema tributário mais eficiente não virá gratuitamente e a discussão sobre como o custo disso será distribuído não será tranquila.
A reforma tributária, tal como a trabalhista e a da previdência, é uma reforma necessária para a correção das desigualdades no país. Mesmo que correções de rumo na PEC sejam feitas, a sociedade terá ainda de enfrentar o errático comportamento do Judiciário brasileiro que tem sinalizado certa despreocupação com a estabilidade das leis (o exemplo mais óbvio é o do imposto sindical). Nada, portanto, garante que a reforma tributária a ser aprovada pelos representantes eleitos não possa ter dispositivos anulados em algum momento pelo Supremo.
Desenvolvimento com redução de desigualdades se produz com instituições pró-prosperidade e regras estáveis. É uma lição antiga, óbvia, mas que só é aplicada quando a sociedade se manifesta veemente a seu favor.
Claudio D. Shikida é professor do Ibmec-BH; Ari Francisco de Araujo Jr. é coordenador do curso de Ciências Econômicas do Ibmec-BH.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos