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Após décadas de debate, o Brasil está próximo a ter uma tributação do consumo mais justa e eficiente com a aprovação da PEC 45/19. A reforma substituirá 5 tributos – PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS – por um Imposto de Valor Adicionado (IVA) dual (federal e subnacional), o que proporcionará uma grande simplificação e modernização da tributação sobre o consumo de bens e serviços, se aproximando de padrões internacionais.
Diversos estudos mostram que os ganhos de eficiência trazidos pela reforma terão forte impacto sobre a produtividade e o crescimento econômico no longo prazo. O PIB poderá ter aumentos superiores a 10%, beneficiando todos os brasileiros. A reforma prevê a manutenção da carga tributária total atual. Apesar disso, provocará significativos impactos setoriais. A indústria, por exemplo, que é o setor mais tributado no modelo atual, será beneficiada, em geral. Por sua vez, os setores agrícola e de serviços tendem a ser penalizados, principalmente se for adotada uma alíquota padrão.
Mas, qual será o impacto da reforma sobre o setor de saneamento básico, em especial, sobre as Companhias Estaduais de Saneamento Básico (CESBs)? Esse questionamento é importante em um contexto em que o Marco Legal do setor (Lei 11.445/2007) atualizado pela Lei 14.026/2020 ratificou metas de universalização que devem ser cumpridas até 2033 e que as CESBs são responsáveis por serviços em grande parte dos municípios. A incidência atual de tributos sobre a receita total das CESBs resume-se ao PIS, com alíquota de 1,65% sobre a receita total, e à COFINS, com 7,6%, totalizando 9,25%. Além disso, há uma parcela de resíduos tributários embutidos nos insumos adquiridos e nos investimentos realizados.
A alíquota padrão total do IVA dual deverá ser da ordem de 27% sobre o Valor Adicionado. Conforme a sistemática de cálculo, ela possibilitará a recuperação dos tributos das etapas anteriores, mas tende a ser uma alíquota efetiva significativamente maior do que a praticada atualmente. Assumindo esta alíquota e com base em diferentes estimativas do Valor Adicionado pelas CESBs verificou-se que as alíquotas efetivas ficarão entre 17,2 e 18,5% da receita do setor, ou seja, quase dobrarão em relação ao valor atual. Com isso, a arrecadação tributária proveniente das CESBs, nos cenários analisados, subiria ente 86,25% e 99,65%, comprometendo, anualmente, entre R$ 4,7 bilhões e R$ 5,5 bilhões.
A questão relevante é saber quanto isso pode comprometer o alcance das metas de universalização dos serviços do setor. O maior montante de impostos afetará os resultados da companhia e, por consequência, a capacidade de investimento com recursos próprios, ou será repassado para as tarifas. Caso o ajuste se dê às custas dos investimentos, haverá uma retração entre 40,6% e 46,9%, considerando o valor médio investido entre 2017 e 2022, que foi da ordem de R$ 11,8 bilhões. Assim, o novo montante de tributos arrecadados do setor passaria a representar em torno de 90% do total dos investimentos realizados no período recente. Caso o aumento da alíquota seja compensado pela elevação da tarifa média de água e esgoto, os consumidores serão penalizados com incrementos entre 8,91% e 10,44% dos valores atuais. Nos dois casos, o resultado é muito negativo para a sociedade brasileira. A redução da capacidade de investimento tende a inviabilizar o alcance das metas de universalização em 2033, conforme estipulado pela Marco Legal do setor. O aumento da tarifa tende a afetar o acesso aos serviços, principalmente entre a população mais vulnerável, de menor renda, onde se concentra grande parte do déficit do setor.
A proposta de reforma tributária prevê, além da alíquota padrão, que deve ser a predominante, alíquotas reduzidas em 60% e até zeradas para determinados bens e serviços. Com isso, diversos segmentos foram beneficiados tanto pela sua importância em termos de benefícios econômicos e sociais, como pela pressão de determinados grupos. Contudo, quanto maior o número de beneficiários com alíquotas reduzidas, maior deverá ser a alíquota padrão para os demais bens e serviços. Assim, melhor seria uma alíquota padrão para todos, com os benefícios restritos à população de baixa renda por meio do cashback, conforme previsto na reforma.
Mas, dado o quadro atual, com diversos beneficiários de reduções tarifárias, por que o saneamento básico não é um deles? Considerado um serviço essencial e um direitouniversal, com fortes impactos sobre a saúde pública, meio ambiente, educação e outras dimensões do desenvolvimento econômico, deveria estar entre os setores priorizados. Além disso, poder-se-ia reverter os impostos arrecadados no setor para um Fundo de Universalização, ampliando os investimentos até atingir a universalização, com garantia de tarifas sociais para aqueles com menor capacidade de pagamento.
A reforma tributária sobre o consumo de bens e serviços é uma grande conquista para o aumento da produtividade e competitividade da economia brasileira. Quanto menos distorções forem introduzidas maiores serão os ganhos. Mas, se alguns setores forem beneficiados não existe razão para que o saneamento básico não esteja entre eles.
Rudinei Toneto Jr. é professor do Departamento de Economia da FEA-RP/USP e coordenador de projetos da FUNDACE; Carlos César Santejo Saiani é professor do IE-UFU - Instituto de Economia e Relações Internacionais da UFU (Universidade Federal de Uberlândia); Welber Tomás de Oliveira e Regiane Lopes Rodrigues são doutorandos do IE-UFU.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos