O grande tema desta semana, sem dúvida, é o Projeto de Lei 2630/2020, que, pelo menos a princípio, diz combater notícias falsas. Até hoje, mesmo depois de votada a urgência no Plenário da Câmara – por maioria simples, ressalte-se –, ainda não há um texto fechado, apenas versões extraoficiais. Inclusive esse tem sido o método adotado desde 2021, com a apresentação de textos oficiosos, circulando informalmente, com balões de ensaio divulgados em sequência.
Além desse problema, o método para se chegar a um texto final a ser analisado pelo Plenário é contestável: discussão em grupo de trabalho – muito menor do que uma comissão –, e aprovação de urgência e submissão ao Plenário. Apesar de tramitar há três anos, inclusive sobrevivendo à mudança de governo, há pouca discussão pública sobre o texto final. No afã de deliberar o relatório de Orlando Silva assim que apresentado, existem diversas pontas soltas que puxam o projeto na direção contrária do que pretende enfrentar.
Não há justificativa para se criar um órgão com amplos poderes e poucos critérios.
O texto apresentado oficiosamente na última terça (25), na tentativa de enfrentar um tema tão complexo, passa a regular as redes sociais mais do que combater fake news e não tem a efetividade necessária para combater desinformação, cuja complexidade requer cuidados adicionais. A proposta implementa algumas medidas aprovadas no Digital Services Act – norma europeia para tornar as plataformas mais transparentes e para impor sanções a elas – como relatórios de transparência, parâmetros para recomendação de conteúdo, acesso de pesquisadores aos algoritmos das big techs e a preocupação com as crianças online.
A medida também traz o DNA do governo atual, ao adotar a sugestão de criar uma super entidade administrativa, sem definições específicas e sem critérios bem definidos, chamada “entidade autônoma de regulação”, sob a forma de uma autarquia. Essa instituição seria a responsável por regular, fiscalizar os provedores e aplicar as sanções, inclusive implementando protocolos de segurança. Veja bem: uma entidade administrativa instaurará processos e aplicará as sanções.
Se a vontade é legislar corretamente e enfrentar o tema com responsabilidade, necessitamos aparar as arestas e remover, ao máximo, as pontas soltas do novelo.
Aí está outra novidade de 2023: protocolos de segurança, que podem ser ativados por essa entidade quando houver “risco iminente de danos à dimensão coletiva de direitos fundamentais”, e podem ser prorrogados indefinidamente. Durante a vigência desse protocolo, os provedores poderão ser responsabilizados se não agirem a contento da entidade autônoma de supervisão.
A adoção de protocolo de segurança também não está definida com critérios e limites claros, o que pode prejudicar a liberdade no ambiente digital. A falta de prazo específico também pode ser um problema, podendo perpetuar desnecessariamente uma exceção. Outro conceito vago é o “risco iminente de danos à dimensão coletiva de direitos fundamentais”, que justificaria a adoção de um protocolo de segurança. Aí está expressa a discricionariedade: a entidade considera o que quiser. O Estado, unilateralmente, pode até mesmo estabelecer a forma de aferição dos valores a serem pagos por plataformas digitais e provedores de conteúdo sob demanda a quem deva receber direitos autorais.
A falta de critérios claros e objetivos para identificar notícias falsas torna difícil distinguir entre informações incorretas e opiniões divergentes.
Grave também é a falta de definição do que é desinformação, o que pode levar a interpretações subjetivas e possíveis abusos. Não há como combater um problema sem saber o que o define. O texto diz apenas que o objeto do crime é mensagens em massa com “fato que se sabe inverídico, que seja capaz de comprometer a higidez do processo eleitoral ou que possa causar dano à integridade física e seja passível de sanção criminal”. Mas sabidamente inverídico por quem? A falta de critérios claros e objetivos para identificar notícias falsas torna difícil distinguir entre informações incorretas e opiniões divergentes.
Atualmente, a responsabilização pelo conteúdo indevido de anúncios ou ofertas publicitárias se aplica ao anunciante e não ao veículo. O PL aplica a responsabilização às plataformas e equipara redes sociais, mecanismos de busca e apps de mensagens a meios de comunicação social. Isso responsabiliza as plataformas pelo conteúdo que circula ali.
O texto pretende remunerar meios de comunicação pelo conteúdo que é veiculado nos mecanismos de busca ou nas redes sociais, mas não define nem mesmo o que é conteúdo jornalístico. Isso esconde um problema porque um site de fake news poderia ser remunerado e não poderia ter seu conteúdo removido, segundo o projeto. Além disso, a previsão pode fazer com que grandes grupos de comunicação concentrem a remuneração e que o acesso a informação seja menos democrático do que hoje. Inverte-se a lógica da internet.
O texto tem méritos ao tentar regulamentar e trazer mais transparência às plataformas, com a abertura da lógica de funcionamento e a compreensão de como funcionam os algoritmos na seleção de conteúdos prioritários, mas ele simplifica cenários complexos e pode trazer efeitos colaterais ao não considerar as dinâmicas das plataformas digitais.
Seja com a véspera do período eleitoral ou mesmo com os ataques trágicos que, infelizmente, ocorreram em escolas, contextos utilizados para justificar a necessidade de regulação das redes, não há justificativa para se criar um órgão com amplos poderes e poucos critérios. Se a vontade é legislar corretamente e enfrentar o tema com responsabilidade, necessitamos aparar as arestas e remover, ao máximo, as pontas soltas do novelo retalhado que temos no Congresso. Ou então regularemos as redes sociais e abandonaremos o combate às fake news.
Felipe Rodrigues é jornalista, cientista político e pesquisa democracia digital em seu mestrado.
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