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Opinião do dia 1

Relatividade não muito relativa

É comum, em nosso cotidiano, que conceitos de teorias científicas passem ao vocabulário usual, com sentido distorcido e aplicado de maneira irresponsável, com apoio pressuposto do argumento de autoridade. O caso mais gritante é o do "darwinismo social" que, ao se valer de teoria científica, procura legitimar preconceitos e mecanismos de dominação entre grupos étnicos e so­­ciais. Felizmente, caiu em merecido descrédito, de modo que sua relevância atual é nula, sendo digna de repúdio.

Entretanto, parece que Darwin hoje incomoda tanto quanto Galileu à sua época. Alguns pretendem dar ao "Criacionismo" status de ciência, colocando-o como teoria alternativa ao "Darwinismo". Nada mais pobre, do ponto de vista espiritual e intelectual do que confundir a ciência com a fé.

A fé é foro íntimo, e de cada um. As diversas religiões devem ser respeitadas, cada uma com seus dogmas. A ciência não é uma alternativa à religião, porém conhecimento de outro tipo.

Ciências mudam todos os dias, podem questionar-se, aprimorar-se continuamente. A ciência busca o entendimento da natureza e não há nesse ato, qualquer atitude de crença ou descrença em dogmas religiosos.

Assim, Darwin é vítima do obscurantismo, pois suas ideias tendem a ser negadas pelo público, digamos, leigo ou pseudocientífico, co­­mo se pertencessem a um lado diabólico da humanidade. Há, entretanto, uma vítima positiva do obscurantismo: Albert Einstein.

Lido por poucos, virou lenda e com isso a ele se atribuem ideias estapafúrdias, com frases repetidas à exaustão, em livros de auto-ajuda. Vamos lá, quer ganhar uma pendenga? Diga sério uma besteira atribuindo-a a Eins­­tein. Qua­­se todos vão acreditar, porque só poucos verificam.

A mais engraçada é a relatividade: "tudo é relativo", dizem os leitores descuidados, e um interminável rolo de enganos vai subscrever-se à glória de Einstein.

Galileu, que passou maus bocados nas mãos de obscurantistas, entre seus vários trabalhos, enunciou o "Princípio da Relatividade" que diz: "As leis físicas são as mesmas para qualquer referencial inercial.". Ou seja, o chamado princípio da relatividade fala de invariância de leis, mes­­mo que os referenciais produzam medições diferentes para certas grandezas físicas.

O que Einstein procurava quando enunciou sua Teoria da Relatividade Especial era salvar o princípio de Galileu, quando aplicado às leis do eletromagnetismo, que haviam sido brilhantemente sintetizadas por Maxwell, durante o século 19. Parecia, inicialmente, que as leis do eletromagnetismo não eram descritas da mesma maneira, quando se mudava de referencial.

Ao unificar os resultados de Michelson e Morley sobre o fato de que a luz não necessita suporte material para se propagar com as equações de Lorentz para cálculo de velocidades relativas e com o fato da velocidade da luz independer do referencial, concluiu que as leis do eletromagnetismo também são as mesmas para todos referenciais inerciais.

Sabe-se que, como todo ser humano, Eins­­tein, ao longo de sua carreira, errou certas coisas, da mecânica quântica, sobretudo. Seu erro maior, contudo, foi ter mantido o nome de Teoria da Relatividade para seu trabalho e não mudá-lo para Teoria da Invariabilidade. O nome chamaria menos a atenção dos meios comunicativos, mas evitaria o "einsteinismo social".

Todavia, há uma possível analogia entre a noção eisteiniana de "invariabilidade" e os fenômenos sociais. Realmente, há variações de valores de cultura para cultura, mas o que há de essencial para o homem – respeito à liberdade, acesso ao conhecimento e, principalmente, direito à vida com dignidade – independe de qualquer referencial social.

José Roberto Castilho Piqueira, doutor em Engenharia Elétrica, é pesquisador e professor titular da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP)

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