O futuro exige renúncia do presente, carregando os princípios do passado. O medo da renúncia vem do apego ao presente. É o que hoje ocorre com muitos militantes do Partido dos Trabalhadores. Presos à aparente governabilidade no presente, temem abrir mão de qualquer aliança, e sacrificam a contribuição que poderiam dar para mudar o Brasil do futuro.
A aliança com o PMDB até poderia se justificar, desde que o PT não abandonasse os valores éticos defendidos no passado e apontasse para um Brasil diferente no futuro. Mas não é o que se vê: o PT abraça o que antes repudiava, sem que os aliados tenham mudado; e se contenta em ampliar uma rede de proteção social, em vez de construir uma escada de ascensão social. Em vez de um sistema socioeconômico para promover estruturalmente a distribuição de renda, se satisfaz com pequenas transferências de recursos públicos para a população pobre. Em vez de reorientar o modelo produtivo para o desenvolvimento sustentável, comemora o aumento na venda de automóveis graças à isenção do IPI.
O Brasil precisa de uma proposta que assegure oportunidades iguais entre classes, por meio de uma revolução na educação; e entre gerações, por meio do respeito ecológico; tendo a democracia como o meio fundamental de garantir que o talento seja respeitado. Essa proposta ainda não consegue penetrar no Partido dos Trabalhadores, por apego ao passado ou vício do presente, que impedem a capacidade da renúncia criativa para o futuro.
A recusa do senador Mercadante em renunciar à liderança de sua bancada e abrir caminho para liderar um movimento de mudança no PT não foi um gesto solitário. Ao contrário, simbolizou o pensamento de grande parte da militância do PT. Por apego ao presente e ao presidente, Mercadante foi fiel ao abandono do passado e do futuro. Agarrado a uma governabilidade que significa manter o rumo, sem princípios, nem sonhos para o futuro.
Ao ouvir o começo de seu discurso no Senado, no dia 21 de agosto, senti que estava surgindo o líder que poderia iniciar uma inflexão no PT rumo a uma nova proposta, que combinasse ética (política com princípios acima da governabilidade), ecologia (desenvolvimento sustentável), educação (o filho do trabalhador na mesma escola que o filho do patrão) e democracia (respeito aos direitos individuais e ao equilíbrio entre os três poderes). Um líder que renunciaria ao presente para construir o futuro. No final, ficou a frustração de ouvir um líder prisioneiro do presente e de outro líder ao qual ele reconheceu jamais dizer não.
Muitos viram a renúncia do senador Mercadante como uma perda para sua biografia. Mais grave, porém, foi a perda para o Brasil. O país, para mudar, vai precisar de um partido como o PT. Mas um PT diferente de como está hoje: sem coerência, sem sonho nem princípios, que se concentra no que chama de governabilidade, que endeusa a linha oficial do governo e se recusa a renunciar ao presente, a olhar para o futuro comprometido com os princípios do passado. Por alguns minutos, Mercadante carregou a bandeira da mudança, mas a jogou no chão do presente, em vez de carregá-la nos céus do futuro.
Fica, entretanto, a esperança de que ele use seu potencial de votos e de formação, bem como o crédito que ainda tem, para liderar a necessária inflexão que o PT precisa fazer, para construir o Brasil de que todos precisamos. E que faça a renúncia da renúncia da renúncia.
Cristovam Buarque é professor da UnB e senador (PDT/DF).