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Praça Santos Andrade/UFPR
Praça Santos Andrade/UFPR| Foto: Cassiano Rosario/Gazeta do Povo

No início do século 20, na Alemanha, ganhava visibilidade e reconhecimento a sociologia compreensiva de Max Weber, com a qual o autor de A ética protestante e o espírito do capitalismo reservava lugar de destaque às subjetividades e às teias de significados nas quais os homens “se enroscavam”.

Compreender como compreendiam tornou-se uma ferramenta interpretativa fundamental para analisar o lugar das ideias nos contextos em que são afirmadas as diretrizes dos tempos que se projetam como “novos” (o novo) e ganham sínteses pretensiosas como “nova era”, “nova política” e assim por diante.

Dessa rica e atual fortuna crítica recebemos também as referências para compreender a configuração do “prestígio” como categoria de análise. Em poucas palavras, em determinadas configurações sociais, o prestígio é afirmado não quando a pessoa ostenta o que tem, mas quando ostenta que tem aquilo que nem todos têm.

Em relação à universidade pública brasileira, essa conceituação pode nos ajudar a perceber que o prestígio da instituição muitas vezes esteve associado à seletividade decorrente da escassez de vagas.

Embora em nenhum momento de sua história, que é recente, a universidade pública brasileira contasse apenas com as camadas ricas da população, registrando-se sempre a presença de personagens de todos os estratos sociais, a escassez de vagas contribuía para que o acesso à vaga fosse assimilado socialmente como expressão singular de mobilidade social.

A ampliação do acesso à universidade pública configurou-se como utopia inclusiva

Em relação ao século 20, a novidade no início do século 21 é que a universidade pública brasileira, retomando uma frase de Darcy Ribeiro, “tingiu-se de povo”. Os gastos para manter estruturas com densa produção intelectual no âmbito do ensino, da pesquisa e da extensão nunca foram de pequeno porte. Mas passaram a ser considerados “inexequíveis”, “insustentáveis” e até “irresponsáveis” no momento em que não é mais possível associar a vaga ao “prestígio” de se ter aquilo que somente alguns têm.

No fim da década de 1950 e início dos anos 1960, na cidade de São Paulo, foram escritos inúmeros editoriais na grande imprensa expondo a preocupação daqueles que “respondiam pela riqueza nacional” a respeito das propostas de ampliação do acesso ao ensino ginasial público, o equivalente ao que hoje denominamos ensino médio. Sem meias palavras, afirmava-se que a escola pública seria destruída pelo povo se ao povo fosse concedido acesso “sem custos”.

É bastante usual a referência a uma época de ouro da escola pública, suspirando de saudades por um momento em que a educação pública tinha prestígio porque era de alguns. Era considerada efetiva quando tinha na seletividade uma de suas bases estruturais.

A ampliação do acesso à universidade pública configurou-se como utopia inclusiva e conseguimos, em poucos anos, uma expressiva elevação nos números de matrícula. Esses números, se observados com a lupa da análise social, revelam que entraram em cena personagens altamente improváveis.

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As universidades federais brasileiras têm escolas, faculdades e institutos nos quais mais de 70% dos matriculados têm renda familiar inferior a R$ 1,8 mil. A instituição ganhou qualidade, profundidade, diversificação, e tornou-se mais acessível, ainda que lute para concretizar-se como espaço verdadeiramente mais inclusivo. Porém, perdeu prestígio quando se pintou de povo.

Pintada de povo, passou a ser identificada com a instabilidade orçamentária irresponsável e passou a receber prognósticos sombrios: somente sobreviverá se cobrar mensalidades. É fundamental enfrentar crises políticas e econômicas preservando os mínimos ganhos inclusivos que essa sociedade escandalosamente desigual conseguiu.

Comparados às reais necessidades, são irrisórios os números da expansão do acesso à universidade pública no Brasil, mas teremos de defender esse pouco como se fosse tudo, porque esse pouco corre o risco de ser submetido a irreversível sucateamento. A universidade pública como utopia inclusiva é patrimônio de nossa juventude. É de todas as classes, raças, etnias e gêneros.

O país ganhará se reconhecer que essa instituição não precisa voltar a ter prestígio (que é diferente de reconhecimento). O país precisa aprender com a história e entender que prestígio é inútil quando a escola se pinta de povo.

Gilberto Giusepone é diretor do cursinho da Poli e presidente da Fundação PoliSaber.

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