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No dia 23 de dezembro de 2024, em uma reunião marcada por controvérsias e acusações de irregularidades, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) aprovou uma resolução polêmica por 15 votos a 13 sobre o aborto em crianças e adolescentes. O rito regimental foi desrespeitado, comprometendo a legitimidade do processo.
A resolução, que ainda será publicada no Diário Oficial da União, gerou uma onda de protestos entre parlamentares e a sociedade civil. Durante os debates na Câmara dos Deputados, a deputada Julia Zanatta, de Santa Catarina, destacou que a resolução do Conanda está alinhada com políticas do governo Lula que supostamente visam facilitar o acesso ao aborto. Segundo ela, a intenção é clara: permitir a interrupção da gestação até o nono mês sem o consentimento dos pais ou qualquer comprovação de violência sexual.
O impacto da decisão do Conanda será sentido não apenas no âmbito legal, mas também no campo moral e cultural do país
A composição do Conanda favorece o governo, já que metade dos membros com direito a voto são indicados pelo Executivo. Isso confere ao governo Lula um poder decisivo para aprovar ou vetar medidas polêmicas, como a resolução em questão. Além disso, o texto aprovado contém dispositivos considerados ilegais, desafiando a legislação vigente e ignorando protocolos de proteção à infância.
O artigo 31 da resolução dispensa exigências como boletim de ocorrência, decisão judicial ou comunicação ao Conselho Tutelar para o acesso ao aborto. Essa flexibilização abre margem para abusos e violações de direitos fundamentais, tanto da criança em gestação quanto dos responsáveis legais. O texto também exclui qualquer limite de tempo gestacional, considerando apenas critérios técnicos e recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS).
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A resolução foi duramente atacada por parlamentares e movimentos pró-vida, que classificaram a medida como inconstitucional e desumana, aonde o Conanda extrapolou suas competências ao tentar legislar sobre um tema tão sensível e polêmico quanto o aborto. Grupos pró-vida e parlamentares buscam procedimentos legais para sustar a medida, com base na evidente violação do regimento interno do conselho.
A escolha da data para a votação, às vésperas do Natal, também foi impactante, em um momento como uma tentativa de minimizar a atenção pública e evitar um debate mais amplo. Nas redes sociais, manifestações de indignação proliferaram, com cidadãos denunciando o que chamaram de “manobra antidemocrática” e pedindo a suspensão imediata da resolução.
A polêmica em torno da resolução do Conanda reacendeu o debate sobre o aborto no Brasil. A falta de consenso dentro do próprio Conanda levanta dúvidas sobre a representatividade e legitimidade do órgão. Organizações e parlamentares contrários à resolução também questionaram o uso de termos como “interrupção legal” para suavizar o impacto das medidas aprovadas. Segundo eles, essa linguagem busca mascarar a realidade do que consideram um ato de violência contra bebês em gestação. A mudança terminológica seria uma estratégia para evitar o uso da palavra “aborto” e reduzir a rejeição social.
A sociedade civil e diversos deputados exigem que o governo intervenha para reverter a decisão. Entre os argumentos apresentados, está o fato de que a resolução contraria o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), além de ignorar as competências dos poderes Legislativo e Judiciário. Para eles, o Conanda não tem autoridade para tomar decisões que impactam diretamente na legislação penal sobre o aborto e os direitos humanos no país.
O desfecho dessa polêmica ainda é incerto. A publicação da resolução no Diário Oficial da União pode acirrar os ânimos e levar a uma judicialização do caso. Enquanto isso, o tema continua gerando intensos debates na sociedade e nos meios políticos, evidenciando a polarização em torno da questão do aborto no Brasil. O impacto da decisão do Conanda será sentido não apenas no âmbito legal, mas também no campo moral e cultural do país.
Hermes Rodrigues Nery, especialista em Bioética pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, é coordenador Nacional do Movimento Legislação e Vida.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos