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Reconhecidamente complexa, a questão tributária sempre ocupou um espaço de amplo debate no Brasil, motivando análises e projeções das mais diversas vertentes ideológicas. Em momentos de intensa recuperação econômica, especialmente se utilizarmos como contexto o fim de um ciclo e o início de um novo governo, é natural que expectativas sejam criadas. Porém, além de boas reflexões, o cenário também abre portas para incertezas e suposições as quais, em muitos casos, estão fora da realidade dos fatos.
Claro, não há como desconsiderar o aspecto embrionário do formato econômico a ser implementado pelo governo Federal, o que dificulta qualquer tipo de conclusão sobre o assunto. O que tem totais condições de ser afirmado é o dilema envolto à responsabilidade fiscal, que sem dúvidas, está no centro das atenções. Mesmo sob o véu da cautela – que deve orientar artigos que se propuserem a destrinchar o tema, acontecimentos surgem a todo instante, fornecendo elementos passíveis de discussão. E para diagnosticar erros do passado, compreender o presente e projetar o futuro, a informação é sempre o melhor remédio.
Frear gastos é um ponto de partida crucial para a retomada da economia, e qualquer tipo de distanciamento entre saúde fiscal e desenvolvimento social é, fundamentalmente, fora da realidade.
Equilibrar as contas públicas, superar a inflação e permanecer em um ritmo de crescimento aquecido. Hoje, olhando para os índices econômicos, alguns podem classificar determinados objetivos como utópicos. Em meio à necessidade por reformas estruturantes e o compromisso com programas de distribuição de renda, a exemplo do Auxílio Brasil, as alternativas parecem escassas. Esse quadro de dificuldades, porém, não é exclusividade tupiniquim.
Frente à alta de juros, outros países estão à procura de um novo arcabouço fiscal, seja por mais flexibilidade, previsibilidade ou contenção das dívidas dentro de um prazo maior. O desafio global a ser superado pelo Ministério da Fazenda expõe a urgência por uma gestão orçamentária capaz de unificar interesses públicos sem afrontar a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101).
Em Davos, comparecendo ao Fórum Econômico Mundial, o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, trouxe perspectivas ao primeiro ano de governo. Segundo o ministro, caso a agenda proposta avance como o esperado, o novo arcabouço fiscal será entregue ainda no primeiro semestre. Haddad aproveitou para frisar a importância da reforma tributária, defendendo que a mesma entre em votação em 2023.
O tempo urge para que a regra fiscal elaborada seja aprovada com o devido imediatismo, o que não impede, de nenhuma maneira, a adoção de um olhar crítico quanto ao grau de aplicabilidade, execução e correspondência do texto elaborado. Frear gastos é um ponto de partida crucial para a retomada da economia, e qualquer tipo de distanciamento entre saúde fiscal e desenvolvimento social é, fundamentalmente, fora da realidade.
Vale lembrar que a própria Lei de Responsabilidade Fiscal apresenta metrificações compatíveis com a finalidade de reduzir o risco fiscal, contando com taxas flexíveis de crescimento do gasto. Se o mundo oferece exemplos de cases bem-sucedidos, a hora nunca foi tão propícia para modernizar e construir um arcabouço fiscal alinhado com as necessidades atuais, sem meios-termos.
Em suma, é preciso enxergar as pendências fiscais sem uma redoma de superficialidade que só prejudica o debate. Os problemas são numerosos e as indefinições, assim todos esperamos, logo darão lugar a soluções que provoquem efeitos concretos para o país, assegurando uma relação tributária que coloque o Brasil em um posto de plena sustentabilidade fiscal.
Marcelo Simões é diretor e cofundador da Comtax. É graduado em Economia pela Universidade Estadual de Londrina, com MBA em Gestão Empresarial pela FGV.