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Desmatamento ilegal no Pará.| Foto: Ronan Frias Semas/Fotos Públicas

Um dos pontos de aparente divergência entre o antigo e o atual governo se refere à proteção ambiental. Durante toda a campanha eleitoral, as discussões e debates acerca de queimadas e degradação de áreas de preservação foram acentuadas. De um lado, a gestão anterior sustentava a flexibilização de medidas fiscalizatórias e punitivas, culminando no aumento de práticas predatórias. Do outro, propostas de políticas ambientais supostamente modernas, compatíveis com as demandas sociais, e que visam a redução de práticas deteriorantes, vistas nos últimos quatro anos.

Não obstante, as ferrenhas divergências baseadas nas normativas vigentes eram meramente aparentes, uma vez que foram levantadas sob a névoa de questões ideológicas e do período político, sem se atentarem à efetiva normatização existente. Houve, em verdade, discordância quanto às formas de proteção ambiental, mas o objetivo é, e deve ser, um só: a proteção do meio ambiente.

A partir de uma imagem de satélite identificando redução de floresta e automaticamente se impõe multas astronômicas.

Em breve síntese, a legislação ambiental vigente até 31 de dezembro de 2022 detinha eficácia jurídica e social para tratar do tema ambiental no Estado brasileiro de forma adequada, protegendo com eficiência o meio ambiente, mas sem descurar da necessária proteção e promoção de outros valores essenciais para a vida digna, como a livre iniciativa e o mínimo existencial. Atente-se, assim, que se parte da perspectiva de que nenhum direito fundamental é absoluto. Dessa forma, também o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado deve ser compatibilizado com outros direitos e garantias.

Nessa linha, é fundamental apontar que, mesmo havendo uma crescente corrente ambientalista fomentando a evolução para uma ética ambiental biocêntrica, atualmente, ainda que de modo não tão radical, acolhemos uma perspectiva antropocêntrica, com o homem sendo a razão e o motivo da proteção ambiental. A despeito de se reconhecer o valor intrínseco da natureza – devendo ser protegida por si mesma – os estudos e pesquisas até agora realizados informam a necessidade de proteção ambiental para que o próprio homem possa desfrutar das condições necessárias para uma vida digna.

Um exemplo de medida proporcional e razoável que levava à proteção ambiental, sem atentar contra os direitos de outros cidadãos foi a instituição, por meio do Decreto 11.080/2022, da audiência de conciliação ambiental após a lavratura do auto de infração e antes da apresentação de defesa.

A audiência de conciliação ambiental se mostrava pertinente para que o Estado não perdesse meses, ou anos, com o trâmite do processo administrativo em face da pessoa errada.

Com a sua instituição, a solução da questão ambiental não mais era impositiva, unilateral e, muitas vezes, arbitrária por parte do Estado. Possibilitava-se que o órgão fiscalizador de fato conhecesse a situação do autuado e, em pé de igualdade, muitas vezes com o apoio de profissionais especializados, chegassem à conclusão quanto à forma que, na maior medida do possível, protegesse o meio ambiente e resguardasse os direitos do autuado.

No caso de autuação baseados simplesmente por imagens de satélite (medida que, inclusive, foi avalizada pelo novo governo com a entrada em vigor do Decreto 11.373/2023), o que ocorre com frequência, principalmente nos estados do Mato Grosso e Pará, é que a autuação via satélite culmina na responsabilidade administrativa daquele que detém alguma ligação com o imóvel, seja pelo registro da área, seja por algum título de posse. A partir de uma imagem de satélite identificando redução de floresta e automaticamente se impõe multas astronômicas àquele que, formalmente, está ligado com a área, mas que pode estar há anos não pisa nela, seja em razão de a ter alienado, seja por ter sofrido esbulho possessório.

Nesses casos, a audiência de conciliação ambiental se mostrava pertinente para que o Estado não perdesse meses, ou anos, com o trâmite do processo administrativo em face da pessoa errada. Durante todo esse período, o autuado sofre com a angústia da imputação de infração administrativa (e muitas vezes até mesmo criminal) e, de outro lado, o meio ambiente não é recomposto.

Outro exemplo é o caso do autuado que, de fato, por diversos motivos, cometeu uma infração ambiental e se arrependeu. Com a audiência de conciliação era possível viabilizar um meio que, sem comprometer suas condições de trabalho e seu mínimo existencial, possibilitasse o imediato início de recuperação da área, com negociação acerca da forma de pagamento da multa. Não mais havendo essa possibilidade, a única medida para resolver consensualmente seria acolher as imposições do órgão de fiscalização, que muitas das vezes são impossíveis de cumprimento imediato. Com isso, o autuado vai querer continuar discutindo a multa na via administrativa e, a depender dos fundamentos, na via judicial. Durante todo esse período, não se terá a responsabilização pelo dano ambiental e, por consequência, o início de sua recuperação.

Não se atentando para essa questão, o novo chefe do Poder Executivo Federal, e sua ministra do Meio Ambiente, em 1º de janeiro de 2023, antes mesmo de tomaram posse, já publicaram o Decreto n11.373/2023, promovendo diversas alterações no Decreto 6.514/08. Entre elas, colocando fim à possibilidade de utilização da conciliação como instrumento de autocomposição ambiental.

Agora, não mais será possível o autuado sentar conjuntamente com o órgão autuante e, em condições de igualdade, como apontado anteriormente, discutir os fatos objetos do auto de infração, visando obter a forma que melhor resolva o problema ambiental, reconstituindo a área e levando em consideração as peculiaridades de cada caso. A partir da vigência do referido decreto, a única forma de autocomposição será pela submissão às imposições do órgão autuante, que pode ocorrer de maneira abstrata, sem levar em consideração a culpabilidade do autuado e as peculiaridades do caso concreto.

O processo administrativo tende a se estender, período durante o qual a área não estará em recuperação imediata. Visando um combate rígido à degradação ambiental, a medida acaba por causar impacto reverso, culminando na prevalência de interesses econômicos do Estado (cobrança e execução da multa) sobre o bem jurídico protegido, que é o meio ambiente ecologicamente equilibrado, em evidente retrocesso ambiental.

João Augusto Pinto Lima é advogado especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Estadual de Ponta Grosa (UEPG). Atua como advogado no Araúz Advogados.

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