• Carregando...

Réveillon vem do verbo réveiller, que significa “acordar”. No dia 31 de dezembro de cada ano celebra-se o réveillon como forma de deixar para trás todos os problemas, iniciando-se um novo dia, novo tempo, nova era descontaminada do passado. Trata-se muito mais de um coletivo aconchego psicológico do que a crença de que tudo – a partir daquele exato momento – será realisticamente melhor. Sabemos todos que os mesmos ou outros problemas virão. Mas a esperança é (re)nutrida e o “astral” muda.

O impeachment, cujo processo terminou (ou tinha tudo para ter terminado) no dia 31 de agosto, carregava esta nova aura. Não que o presidente que assume seja um salvador da pátria, um imaculado homem público, mas o povo brasileiro nutre uma esperança que há de se encerrar e de se enterrar uma etapa caracterizada por inchaço governamental, políticas sociais bonitas no discurso, mas insustentáveis na prática, desequilibro inconsequente das contas públicas, tudo somado à arrogância na liderança e corrupção abissal. O crime de responsabilidade foi o gancho jurídico para o juízo político.

O debate sobre o fatiamento não veio a lume porque se trata(va) de questão incontroversa à luz da Constituição

Certo ou errado, com ou sem razão, com ou sem crime de responsabilidade, o colegiado encarregado da análise e decisão votou e o rito constitucional foi obedecido em todas as etapas. Porém, o réveillon, no seu primeiro minuto, exalou enxofre. A Constituição Federal fala, em seu artigo 52, parágrafo único, em “perda do mandato com inabilitação por oito anos para o exercício de função pública”. A preposição aditiva “com” não deixa margem a dúvidas: não há possibilidade de fatiar ou separar uma coisa (condenação) da outra (inabilitação por oito anos). Ademais, em momento algum, nos longos meses em que transcorreu o processo de impeachment, levantou-se a discussão sobre a inabilitação. O debate não veio a lume porque se trata(va) de questão incontroversa à luz da Constituição.

Todavia, vendo agora o filme de trás para frente, a sensação que se tem é de que, enquanto o país assistia ao julgamento no Senado, um novo/velho réveillon já havia sido esculpido entre os parlamentares do PT e parte expressiva do PMDB que navegou nas benesses governamentais por 13 anos. Chancelou-se o esperado, mas os senadores, logo em seguida – na linha do “a mesma mão que bate também afaga” –, deram uma interpretação canhestra e lamentável ao dispositivo constitucional para livrar o agente público das consequências naturais e automáticas do impeachment. Péssimo exemplo e terrível precedente, cujo uso e abuso será muito em breve invocado por muitos parlamentares e integrantes dos Executivos estadual e municipal para sair de um galho e pular para outro. Parece mesmo ter havido um GOLPE: Grupo Organizadamente Liderado Pelo PT E PMDB.

Por fim, da ex-presidente espera-se duas coisas: que exerça oposição (tem todo o direito), mas que repudie com veemência, em alto e bom som, toda e qualquer manifestação violenta ou contra o direito de ir e vir da população. A promessa de oposição ferrenha já foi ouvida claramente, mas o repúdio à violência quedou silente. Está nas mãos de Dilma escolher o seu caminho a partir de agora: retornar ao passado de integrante da guerrilha ou postar-se para o futuro exercendo e comandando serenamente a oposição. A história dirá!

Mauricio Gomm Santos é advogado.
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]