No apagar das luzes de 2017, o presidente Michel Temer assinou decreto prorrogando em mais dois anos o prazo para os municípios apresentarem os planos de saneamento, atendendo a reivindicação da Confederação Nacional dos Municípios. A assinatura presidencial representa um revés para o desenvolvimento do setor e vai provocar ainda mais atrasos dos cumprimentos das metas estabelecidas pelo Plano Nacional de Saneamento (Plansab), um marco regulatório do setor estabelecido a partir da promulgação da Lei 11.445/2007.
O governo federal já havia prorrogado os prazos de entrega do documento. Até hoje, somente 30% dos municípios já elaboraram o seu plano. A universalização dos serviços – até 2023, 100% do território nacional precisa estar abastecido com água potável e, até 2033, a cobertura do tratamento de esgoto tem de chegar a 92% – está distante do planejamento inicial e, diante da nova prorrogação, dificilmente conseguiremos chegar perto dessas metas nos prazos estabelecidos. Enquanto o setor não avança, 34 milhões de brasileiros são obrigados a viver sem acesso a água potável, correndo sérios riscos de saúde.
Aproximadamente 50% dos brasileiros têm acesso a coleta de esgoto
O descaso é ainda maior em outra área. Aproximadamente 50% dos brasileiros têm acesso a coleta de esgoto. A outra parcela, de cerca de 100 milhões de pessoas, adota medidas paliativas para lidar com os dejetos, muitas vezes em fossas ou até mesmo lançando-os diretamente no solo ou em rios, comprometendo ainda mais a qualidade de vida. Por isso, nessas regiões se propagam as doenças ligadas diretamente às condições sanitárias.
Para encontrar uma solução para os entraves enfrentados pelas prefeituras, um grupo de especialistas esteve reunido durante três meses para elaborar uma proposta, encaminhada pela Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental ao deputado Joao Paulo Papa, que direcionou o documento à Secretaria Nacional de Saneamento e ao governo federal. A proposta prevê o escalonamento da entrega dos planos. Os municípios maiores e com profissionais capacitados disporiam de prazos menores, enquanto as cidades com população inferior a 10 mil habitantes, por exemplo, podem até mesmo apresentar um plano simplificado.
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A participação do governo federal é fundamental, ainda, na oferta de orientação técnica. A maior parte das mais das 5 mil cidades brasileiras não tem condições técnicas para oferecer soluções de saneamento, e mais de 80% delas nem sequer contam com um profissional de engenharia para qualquer tipo de orientação. A falta de acesso a profissionais ou empresas de engenharia especializados, por parte de grande número de prefeituras, afeta diretamente a elaboração não só de seus planos de saneamento municipal, principal e mais básico instrumento de política pública do setor, como também a continuidade das ações de seus desdobramentos.
O país não pode continuar adiando indefinidamente os empreendimentos essenciais para o saneamento. O planejamento de médio e longo prazo deve ser instituído como forma de garantia de realização desses empreendimentos. Contamos com capacidade técnica e profissional altamente gabaritada, capaz de atender a demanda que os brasileiros precisam. O avanço do saneamento deve ser visto como prioridade para todos os entes federativos, independentemente do cunho ideológico do político de plantão. Precisamos transformá-lo em uma política pública do Estado. Caso contrário, estaremos relegando um futuro de muitas dificuldades para as próximas gerações.