Nos últimos dias, por causa do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), entrou em discussão a validade constitucional da “Revisão da Vida Toda” nos benefícios de uma parte dos aposentados brasileiros. A questão principal discutida é que jamais uma regra de transição pode ser mais desfavorável ao segurado do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que a permanente, ferindo o princípio constitucional da segurança jurídica, assegurado em nosso artigo 5.º, XXXVI.
O
princípio da segurança abrange a ideia da confiança e previsibilidade, pela
qual o cidadão tem o direito de poder confiar em que aos seus atos e decisões
incidentes sobre seus direitos se ligam os efeitos jurídicos previstos e
prescritos por essas normas. Traz também a ideia da proteção no caso de uma
mudança legislativa, em que a regra de transição abranda, jamais agrava, efeitos trazidos pela nova lei.
Na exposição de motivos do Projeto de Lei 9.876/99, a regra
transitória esculpida pelo artigo 3.º teria a função teleológica de favorecer o
segurado já filiado ao RGPS antes da sua vigência. Tal aspiração se acharia em
evidente harmonia com a finalidade típica das normas de transição dos regimes
previdenciários, que possuem por finalidade trazer segurança jurídica para as
relações.
Notem que o STF homenageia este raciocínio, quando foi chamado para analisar a questão do pedágio na aposentadoria por tempo de contribuição, e entendeu não se aplicar a regra de transição por ser mais gravosa. Ele sempre entendeu como absurda tal ocorrência. Merece destaque o trecho do RE 524.189, com relatoria do saudoso ministro Teori Zavascki, julgado por unanimidade: “As regras de transição editadas pelo constituinte derivado são na verdade mais gravosas que a regra geral inserida na EC 20 de 1998”. E continua: “a própria regra de transição da aposentadoria proporcional, por absurdo, continha requisitos não previstos no texto legal do que a aposentadoria integral”.
Na presente revisão, também encontramos amparo no princípio da contrapartida, que o Supremo Tribunal Federal defende em seus julgados. Quando o segurado realiza pagamento aos cofres do INSS, obrigatoriamente este deve ter uma contrapartida. Contribuição exige retribuição, e alguns segurados, sem um motivo justo e fundamentado, tiveram seus salários de contribuição anteriores ao Plano Real descartados.
Na julgamento da ADI 2010 MC/DF, fica claro referido posicionamento da suprema corte: “Sem causa suficiente não se justifica a instituição (ou majoração) da contribuição da seguridade social, pois no regime de previdência de caráter contributivo deve haver, necessariamente, a correlação entre custo e benefício. A existência de estrita vinculação causal entre contribuição e benefício põe em evidência a correção da fórmula segundo o qual não pode haver contribuição sem benefício, nem benefício sem contribuição”.
No RE 655.265 AgR/DF, ao analisar os efeitos funcionais e previdenciários retroativos por conta da posse tardia, a corte consignou que “o caráter contributivo e solidário do regime de previdência não permite o usufruto dos efeitos previdenciários sem a devida contraprestação, tendo restado evidente a sua compreensão da relação de causa e efeito, entre contribuição e retribuição”. Isso também foi decidido nos RE 593.068/SC: “a dimensão contributiva do sistema é incompatível com a cobrança de contribuição previdenciária sem que se confira ao segurado qualquer benefício efetivo ou potencial”.
Sobre a cláusula da reserva do possível, esta não se aplica ao presente caso, uma vez que não se trata de uma ação afirmativa e unilateral do Estado na criação de um direito, mas bilateral, pois houve recolhimento e agora o que se busca é sua retributividade.
Finalmente, vale destacar o princípio constitucional da isonomia, presente no artigo 5.º de nossa Constituição Federal. Ele trata da garantia constitucional de tratamento igualitário às pessoas que se encontram em uma mesma situação, não podendo ser aplicada ao segurado que contribuiu por décadas uma regra mais desfavorável que a daquele que nunca contribuiu. Pelo princípio da isonomia, deve-se pelo menos equiparar as situações, aplicando aos dois a mesma regra, que estão no mesmo regramento legal, e não distinto.
E esses princípios já foram defendidos e votados por ministros do Superior Tribunal de Justiça (de forma unânime), pela Defensoria Pública da União, pelo procurador-geral da República e até mesmo por cinco ministros do Supremo Tribunal Federal (incluindo o relator).
Portanto, a “Revisão da Vida Toda”, deixando de lado a narrativa (irreal) do INSS sobre os possíveis efeitos econômicos, se mostra constitucionalmente como um direito do aposentado. E temos a certeza de que o Supremo Tribunal Federal irá, mais uma vez, garantir o respeito aos direitos fundamentais aqui tratados.
João Badari é advogado especialista em Direito Previdenciário.