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Opinião do dia 2

Revogação total da Lei de Imprensa: um erro judiciário

Varrendo de cambulhada a Lei de Imprensa, o maior tribunal do país cometeu inusitado erro judiciário. Assim ocorre não somente quando a autoria do crime é atribuída a uma pessoa inocente, mas, também, quando o juiz não aplica o bom direito

No dia 30 de abril de 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) revogou inteiramente a Lei n.º 5.250/67 por ter sido sancionada durante o regime militar e porque a sua vigência seria contrária ao espírito da Constituição Federal, ao garantir a plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social (art. 220, § 1º).

O ministro Marco Aurélio expôs o paradoxo de se decretar a inconstitucionalidade da Lei de Imprensa que estava em vigor há 42 anos e passados 21 anos da Carta Política de 1988. O único e lúcido voto vencido ponderou que muitas regras autoritárias não eram mais aplicadas pelo Judiciário a partir da redemocratização do país (1985).

Em editorial, esta Gazeta do Povo observou que a maioria do STF, ao mandar para o limbo todos os artigos da lei especial, preferiu "não separar o joio do trigo. Em uma decisão que nos pareceu muito mais política do que jurídica, [eles] preferiram afastar do ordenamento a lei surgida nos ‘anos de chumbo’ ou ‘regime de exceção’. (...) Não havia razões lógicas e jurídicas para o julgamento ‘em bloco’ da Lei de Imprensa". ("Com o joio, foi-se o trigo", ed. de 04/05/2009, p. 2).

A partir desse julgamento, as infrações praticadas por meio da mídia passam a ser julgadas com base no Código Penal (calúnia, difamação e injúria), no Código Civil (ato ilícito causador de dano moral e/ou material) e nos respectivos códigos processuais.

Varrendo de cambulhada a Lei n.º 5.250/67, inclusive as várias disposições mais favoráveis, o maior tribunal do país cometeu inusitado erro judiciário. Assim ocorre não somente quando a autoria do crime é atribuída a uma pessoa inocente, mas, também, quando o juiz não aplica o bom direito. O simples confronto entre algumas normas abolidas e as correspondentes dos códigos mencionados revela exemplos flagrantes do prejuízo para as liberdades de pensamento, de expressão, de informação e de comunicação no interesse dos cidadãos em geral e dos profissionais da imprensa em particular. Valem algumas indicações. O art. 27 declarava não serem ilícitas: a) a opinião desfavorável da crítica literária, artística, científica ou desportiva; b) a crítica inspirada pelo interesse crítico. O art. 49 dispunha que a obrigação de reparar exigia a comprovação do dolo (vontade de ofender ou assumir tal risco) ou da culpa (imprudência, negligência ou imperícia). Mas agora, com base no Código Civil, é possível pleitear indenização, "quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem". (Parágrafo único do art. 927). Uma decisão unânime do TJ do RS, aplicando tal regra, afirmou a responsabilidade objetiva e condenou a empresa jornalística que divulgara a foto de uma residência, vinculando-a, equivocamente, a local de prostituição e uso de drogas. Na Justiça paranaense, por exemplo, há muitos processos criminais e cíveis contra jornalistas porque deveriam apurar, pelos seus próprios meios, a veracidade da ocorrência policial noticiada, apesar da informação ter sido colhida em setor policial competente.

O tempo já demonstra que os regimes dos códigos Penal e Civil são bem restritivos ao direito-dever de informação, ao contrário da lei extinta. Multas penais, que podem ser exorbitantes sem a garantia das previsões tarifadas; indenizações arbitrárias e desproporcionais; prazos mais longos para a decadência e a prescrição e a tendência em fazer do jornalismo uma "atividade de risco", são alguns perigos atuais para a imprensa livre que, na expressão irretocável de Ruy Barbosa, é "a vista da Nação".

René Ariel Dotti, advogado e professor titular de Direito Penal, é detentor da Medalha Mérito Legislativo da Câmara dos Deputados (2007), foi relator do Anteprojeto de Lei de Imprensa elaborado por comissão da OAB, coordenada pelo ex-ministro do STF, Evandro Lins e Silva, e publicado no DCN, de 14.08.1991, p. 4763 e s.

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