Uma campanha mundial denominada “One Billion Rising” foi lançada em 2012 com o objetivo de protestar contra a violência praticada em face das mulheres em razão das alarmantes estatísticas: é uma violência que atinge um terço da população feminina, o que equivale a mais de 1 bilhão de mulheres e meninas no mundo. As exigências centram-se em mudanças estruturais, de paradigma e de sistemática, além de responsabilidade e justiça.

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Os protestos expressam-se por meio da dança, envolvem mais de 200 países e têm pelo tema “Revolução” o significado de seu objetivo primordial: que as mudanças sejam tão eloquentes quanto os efeitos provocados pela própria violência.

No Brasil, segundo o IBGE, há cerca de 103,5 milhões de mulheres, o que corresponde a 51,4% da população. Destas, um terço sofreu, sofre ou sofrerá violência em sua vida. São 34 milhões de mulheres e meninas humilhadas, ameaçadas, estupradas, agredidas, mortas por pessoas com as quais, na maioria das vezes, elas têm ou tiveram relacionamento íntimo e de afeto.

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A Lei Maria da Penha traz recursos capazes de provocar a revolução proposta pela “One Billion Rising”

Políticas públicas voltadas ao enfrentamento desse tipo de violência têm um desafio premente: ao mesmo tempo em que é preciso coibi-la, responsabilizando seus autores e fazendo-os refletir e repensar seus atos, é necessário reformular o atendimento prestado pelo sistema de Justiça, integrá-lo à rede protetiva, acolher as vítimas e provocar uma mudança estrutural capaz de revolucionar as futuras gerações.

Coibir a violência contra a mulher deve servir como o “não” imediato, como a resposta punitiva e provocadora de reflexão impeditiva de reincidência. Deve também ser uma resposta capaz de atingir o outro, preventivamente. É a pena justa aplicada segundo as características individuais do fato e do seu autor; é a pena efetivamente executada e capaz de gerar a maturação do comportamento.

Não se enfrenta a violência de gênero, porém, apenas desta forma. O sistema de Justiça é um mecanismo necessário, mas não único e capacitado a tanto.

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A Lei Maria da Penha, que dispõe sobre o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher, considerada uma das três melhores do mundo pela ONU, traz recursos inteligentes e abrangentes capazes de provocar a revolução proposta pela “One Billion Rising”. Acredite. Ela vislumbra a raiz da violência, seus personagens e seu meio. Aponta a importância do trabalho em rede, valorizando a ferramenta multidisciplinar como apoio à vítima, ao autor e à sociedade. Enxerga o ser vulnerável como alguém que necessita de urgente proteção e possibilita o seu empoderamento. Coloca a sociedade civil e o Estado como corresponsáveis, privilegiando a importância de ações preventivas.

Sim, os obstáculos são gigantes, assim como a revolução que se pretende produzir. Há uma raiz cultural que contamina todos esses personagens. Ela está no sistema de Justiça, quando se reputa que lesão leve é “comezinha briga de casal”, afastando a interferência estatal; está na boca das pessoas quando se conclui que a adolescente da favela provocou um estupro; está na aprovação de leis que indiretamente estimulam as mulheres a silenciar sobre os abusos sofridos; está na publicidade quando uma mulher quase nua é colocada como um troféu quando se vende uma cerveja; está nas redes sociais quando mudam o foco do caso Luiza Brunet ao julgá-la por sua postura; está nas comunidades carentes quando uma mãe adolescente não tem onde deixar seu filho para poder estudar e ir em busca de sua autonomia; está na falta de educação quando os meninos não são preparados para serem pais bons e responsáveis.

Importa urgentemente formar profissionais de todas as esferas da rede de enfrentamento em relação à violência de gênero, em busca da igualdade material. É preciso reavaliar e apreender a avaliar nossas crenças, como elas são reproduzidas e como elas podem interferir para a construção de estereótipos capazes de tornar comportamentos violentos. É preciso compreender as construções sociais de gênero, as diferenças, as evoluções, as suas repercussões para a desigualdade e qual o ponto de ruptura necessário para a promoção da paz. Educar, reeducar e coeducar são indispensáveis. Reeducar os já fincados nestas raízes; coeducar, pois o enfrentamento só é eficaz se em rede; educar para as novas gerações.

Nosso Brasil, há dez anos, foi agraciado com uma legislação revolucionária. Mas não vire as costas para a realidade de que a revolução é para o aqui e agora, caso contrário continuaremos a testemunhar outros milhares de tantas histórias de mulheres sendo humilhadas, estupradas, agredidas e mortas pelos homens agressores deste mesmo país.

Fabíola Sucasas, diretora do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD), é promotora de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica (Gevid) do MP-SP.