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A devastadora enchente que atingiu o Rio Grande do Sul recentemente expôs as fragilidades de um estado que já vinha enfrentando desafios estruturais há anos. A frase "o Rio Grande do Sul precisa se reconstruir" tornou-se comum no discurso político e social pós-desastre. Contudo, a palavra "reconstruir" pode não ser a mais adequada para descrever a situação atual e os passos necessários para o futuro. A realidade é que as cheias trouxeram à tona problemas sistêmicos que requerem mais do que uma simples reconstrução; exigem uma verdadeira reinvenção do estado.
O Rio Grande do Sul já enfrentava uma série de problemas antes mesmo das cheias. A enchente apenas tornou mais visível a pobreza crescente, a falta de planejamento urbano, a ausência de uma visão competitiva de longo prazo, a carência de lideranças efetivas e o empobrecimento geral da região. Dados do IBGE, e apresentados pelo economista Aod Cunha, mostram que, entre 2000 e 2022, o RS teve o menor crescimento populacional do país (0,3%), com um saldo migratório negativo de 700 mil pessoas. Esse movimento demográfico, considerando a produtividade total dos fatores relativamente semelhante à média brasileira, foi a principal explicação para um crescimento acumulado do PIB gaúcho no período de 1,6% ao ano entre 2002 e 2021, o segundo pior do Brasil, só abaixo do Rio de Janeiro.
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A enchente revelou as condições precárias de muitas comunidades, onde a falta de recursos e a desigualdade social deixaram as pessoas mais vulneráveis aos impactos do desastre. A pobreza não pode ser combatida apenas com a reconstrução de casas; é necessário um investimento robusto em políticas sociais que promovam a inclusão e a mobilidade econômica.
O planejamento inadequado das cidades contribuiu significativamente para a magnitude dos danos causados pelas enchentes. Zonas urbanas construídas sem considerar o risco de inundações, a ocupação irregular de áreas de risco e a falta de infraestrutura adequada demonstram a necessidade de repensar completamente a forma como as cidades são desenvolvidas e administradas.
Historicamente um estado próspero, o Rio Grande do Sul tem perdido competitividade econômica ao longo dos anos. A falta de inovação, investimentos em áreas estratégicas e apoio ao desenvolvimento empresarial criam um cenário de estagnação econômica. A "reconstrução" precisa incluir uma visão estratégica que posicione o estado novamente como um polo de desenvolvimento e inovação. A ausência de lideranças capazes de articular uma visão de futuro e de mobilizar recursos e esforços para implementar mudanças necessárias é um dos maiores desafios do estado.
A reconstrução precisa ir além das obras físicas e envolver a formação de líderes comprometidos com um projeto de desenvolvimento sustentável e inclusivo. O empobrecimento econômico e social do Rio Grande do Sul não pode ser revertido apenas com medidas paliativas. A crise requer um plano abrangente que inclua a revitalização econômica, a melhoria da educação, saúde e a criação de oportunidades de emprego.
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Diante desse cenário, o termo "reconstrução" parece inadequado. O que o Rio Grande do Sul realmente precisa é de uma construção do zero, uma redefinição completa de suas prioridades, estratégias e abordagens. É necessário priorizar investimentos em áreas que realmente impactem a qualidade de vida das pessoas, como educação, saúde, saneamento básico e habitação. Adotar políticas que incentivem a inovação e o desenvolvimento tecnológico, atraindo investimentos e promovendo o empreendedorismo. Incorporar princípios de sustentabilidade ambiental em todas as iniciativas de desenvolvimento, garantindo que as futuras gerações possam prosperar em um ambiente saudável e equilibrado.
A enchente que assolou o Rio Grande do Sul foi um catalisador para uma reflexão necessária e urgente sobre os rumos do estado. "Reconstruir" implica restaurar algo que existia antes, mas o que o Rio Grande do Sul precisa é de uma transformação mais profunda. É preciso construir um novo estado, com bases sólidas em planejamento, inclusão social, inovação, competitividade, sustentabilidade – um imã para atração de talentos. Somente assim será possível garantir um futuro seguro para os gaúchos.
Fernando Freire Dutra é mestrando em Política Internacional na Georgetown University e ex-adido econômico do Brasil em Washington, DC.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos