Um país pode dormir em berço esplêndido, mas seu povo e suas lideranças não têm o direito de ficarem letárgicos quando seu futuro está ameaçado. Mas estamos sofrendo de letargia diante do esgotamento de um ciclo histórico que exige mudança de rumo.
É visível que nossa democracia está fragilizada por causa da corrupção, da desmoralização dos partidos tradicionais e do uso de "pacotes", que impedem o funcionamento pleno de novas propostas. Tem também o elevado custo das campanhas, transformadas em batalhas de marqueteiros e de advogados, e o financiamento corruptor dessas campanhas milionárias. Tudo isso mostra o esgotamento de uma maneira de fazer política, com legendas de aluguel e fragilidade das verdadeiras lideranças dos movimentos sociais.
Mas nenhum outro fato demonstra mais essa fragilidade do que o controle do Legislativo pelo Executivo e a insólita disputa entre Legislativo e Judiciário. Isso não é coisa de líderes e dirigentes sérios, ainda menos de uma democracia sólida.
É visível também o risco da perda de controle da inflação, que novamente é uma realidade. Uma das conquistas da democracia foi o Plano Real, adotado por unanimidade pelas lideranças políticas nacionais. Agora, elas parecem abandonar essa grande conquista. E o povo e o movimento sindical parecem letárgicos, sem despertar enquanto é tempo para o risco do monstro da inflação e todas as suas consequências desestabilizadoras de todas as políticas, especialmente as sociais e econômicas.
Também continuamos letárgicos diante da desmoralização de outra grande conquista da democracia, que foram as medidas de transferência de renda, tanto as bolsas quanto o aumento real do salário mínimo. Este último ameaçado pela volta da inflação e pelo risco de que o aumento anual sirva como indutor de mais inflação, por corresponder a uma indexação de preços.
Estamos letárgicos diante das bolsas, desmoralizadas por se transformarem em permanentes e não em um instrumento provisório, antes da sua abolição pela emancipação do povo. Os brasileiros, especialmente os beneficiários das bolsas, ainda não se despertaram para um tempo em que se livrarão delas. E as lideranças políticas, especialmente as que se consideram de esquerda, parecem acreditar que o Brasil já fez sua revolução, ao distribuir um mínimo de sua imensa renda.
Finalmente, nosso povo e líderes estão letárgicos diante do claro atraso de nossa economia que, mesmo se crescesse, como faz há cinco séculos, é baseada na exportação de commodities, e há 60 anos na produção industrial de bens sem conteúdo científico e tecnológico. No entanto, podemos aceitar e ter no século 21 uma economia de meados do século 20. A letargia fica mais grave porque o momento de despertar ressalta na eleição presidencial. Mas até agora não se vê qualquer dos candidatos já definidos, com propostas que permitam reorientar o país. Nenhum deles parece estar interessado em despertar o povo da letargia de uma sexta economia baseada em commodities, de uma sociedade não emancipadora, da volta da inflação e de uma democracia acanhada e instável, com muita violência contra jovens e mulheres e que parece ser de brincadeira.
É muito arriscado ficar dormindo enquanto o mundo inteiro se mexe, mesmo quando em crise de crescimento na produção.
Cristovam Buarque é professor da UnB e senador pelo PDT-DF.