Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Artigo

Ritalina – sim ou não?

Nem sempre o leigo entende questões relacionadas com medicações. Existe quem veja a necessidade de usar uma medicação, principalmente aquelas que atuam no nível das emoções, como sinal de que os portadores dessa necessidade seriam mais fracos que a sociedade em geral. Se fizessem uma pesquisa básica, descobririam que o uso de substâncias para melhorar – ou pelo menos para alterar – um estado emocional é muito mais comum que o imaginado; afinal, este é o motivo mais frequente pelo qual se faz uso, mesmo que adequado, da bebida alcoólica e de certos chás. De fato, o homem sempre buscou, principalmente nas plantas, substâncias que melhorassem o estado de humor e mesmo que fossem capazes de alterar a própria consciência. Não raro, essa busca inocente redundou não em uso, mas em abuso dessas substâncias por pessoas especialmente sensíveis a elas ou propensas a perpetuar os seus efeitos.

Não são poucos os tipos de substâncias que, nessas condições, se tornaram acessíveis, principalmente a partir do momento em que a indústria se tornou capaz de produzir grandes quantidades, barateando e tornando-as facilmente disponíveis. Assim, no último século, vimos substâncias depressoras do sistema nervoso central (calmantes), como o diazepam, determinando verdadeiras epidemias de uso, como ocorreu nos anos 60-70, período da "Valiumania" – quem não usasse era visto até como fora do contexto, ou da moda. Um absurdo, é lógico, mas com múltiplas causas. Mais recentemente, o mesmo se deu com as anfetaminas – que, de forma ainda mais disparatada, considerando-se seus efeitos negativos, se tornaram verdadeiras coqueluches e exigências de pacientes em relação aos seus médicos.

Essa introdução aponta alguns aspectos de um fenômeno exposto nas últimas semanas: o aumento, visto como exagerado, de uma droga bastante controlada, chamada comercialmente de Ritalina, cujo princípio ativo é o metilfenidato.

Em primeiro lugar, o metilfenidato, conhecido como Ritalina, mas disponível também com outros nomes, é em essência uma droga anfetamínica, bastante semelhante às drogas hoje proibidas e que, até recentemente, eram utilizadas isoladamente ou em associações com a finalidade de emagrecimento. Conhecemos o desastre que, não raramente, era determinado por esse uso e, em especial, quando não totalmente justificado. Essas ações prejudiciais levaram à sua proibição.

A Ritalina, desde há muito tempo, vem sendo utilizada para o tratamento do chamado déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), um estado mais comum em crianças, que determina extrema dificuldade no processo de socialização e educação, caracterizado por uma dificuldade ou impossibilidade de participar de atividades que exijam atenção e concentração. A droga estimulante apresentou aos pacientes com déficit de atenção um efeito paradoxal: em vez de excitar, determina um estado de maior calma – mas apenas nesses pacientes.

Alguns aspectos podem explicar o aumento da produção e utilização desta droga: em primeiro lugar, médicos – pediatras, neuropediatras e psiquiatras – estão cada vez mais alertas para o diagnóstico da TDAH. Em segundo lugar, toda medicação que se mostra eficaz tende a ser mal utilizada. Estudantes, motoristas de caminhão e outros a utilizam esperando conseguir aumento do estado de alerta, e como sabidamente a Ritalina, em alguns casos, tem como efeito colateral perda de apetite e, consequentemente, o emagrecimento, é bem possível que ela esteja sendo usada erroneamente no lugar das proibidas anfetaminas.

Em síntese, o aumento da utilização do metilfenidato pode ter aspectos tanto positivos como negativos; que se combatam estes sem desconsiderar aqueles.

Élio Luiz Mauer, psiquiatra, é diretor técnico da Unidade Intermediária de Crise e Apoio à Vida (Uniica).

Dê sua opinião

Você concorda com o autor do artigo? Deixe seu comentário e participe do debate.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.