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Barroso e o tribunal cosmopolita

Brasília, (DF) – 29/09/2023 – Entrevista coletiva do presidente do STF, ministro Luiz Roberto Barroso. Foto Valter Campanato/Agência Brasil. (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

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No último dia 28, o ministro Luís Roberto Barroso tomou posse na presidência da instância máxima do Poder Judiciário nacional. Em seu discurso inaugural, o novo presidente assumiu-se um devoto da religião laica do progresso: “A história é uma marcha contínua na direção do bem, da justiça e do avanço civilizatório (...). É certo que a história não é linear, mas feita de avanços e retrocessos. Porém, mesmo quando não se consegue ver da superfície, ela continua fluindo como um rio subterrâneo na direção que tem de seguir. Essa a minha fé racional, a minha crença mais profunda”.

O progresso é uma daquelas ideias cristãs que, no dizer de Chesterton, foram enlouquecidas pela secularização. Os povos pagãos, do Ocidente e do Oriente, imersos numa visão cíclica e não linear do tempo, desconheciam-na completamente. É Jesus de Nazaré, no Sermão da Montanha, que nos vai trazê-la a lume, ao apresentar sua doutrina como um progresso em relação ao judaísmo: “Ouvistes o que foi dito aos antigos. Eu, porém, vos digo”.

O fato é que o Supremo Tribunal Federal, aplicando em suas decisões uma agenda internacional, tem afrontado as atribuições do Poder Legislativo.

Na melhor definição que já encontrei, formulada por São Paulo VI na bela e profunda encíclica Populorum progressio, “o verdadeiro progresso é, para todos e cada um, a passagem de condições menos humanas a condições mais humanas”. Daí se deduz que a realização do verdadeiro progresso carece de um conceito exato e abrangente do homem e do seu fim último. Sem esse entendimento agudo da natureza humana e do fim para que ela existe, a sede do progresso pode degenerar em agitação vã e perturbadora, senão danosa.

Não obstante, o ministro Barroso, no conjunto de sua obra, sempre afetou prescindir dessa indispensável metafísica. O que nunca lhe impediu, por outro lado, de ter a mais dogmática certeza no tocante para onde a história deve caminhar. Em seu discurso de posse, ele se gava de ter, no Supremo Tribunal Federal, “procurado empurrar a história na direção certa”. É a confissão presunçosa de um tribunal ativista, que se julga no direito de empurrar a própria história. É nesse ponto que o conceito de progresso se degrada na ideologia do progressismo.

Porém, não foi este o único ato falho do discurso do novo presidente do STF, nem o mais relevante. Em outra passagem, Barroso confessa que o Supremo Tribunal Federal promove “as causas da humanidade”. Ora, o STF, como tribunal constitucional da Nação brasileira, deve aplicar aos pleitos submetidos a seu julgamento a Constituição e as leis do Brasil, não promover causas supostamente universais, como se fosse um tribunal cosmopolita, sem pátria, subordinado a uma agenda estrangeira. Aliás, sempre é bom, nessas circunstâncias, recordar a advertência de Proudhon: “Quem fala em nome da humanidade quer enganar”.

O fato é que o Supremo Tribunal Federal, aplicando em suas decisões uma agenda internacional, tem afrontado as atribuições do Poder Legislativo. Nessa circunstância, o Congresso tem o dever constitucional e moral de votar uma emenda à Constituição para restabelecer e defender suas prerrogativas, impondo limitações objetivas ao ativismo judiciário. Aliás, o próprio ministro Barroso, em seu discurso de posse, afirmou, com certa razão, que “a judicialização ampla da vida no Brasil” decorre do “desenho institucional” estabelecido pela Constituição. O Supremo Tribunal Federal deve ser respeitado em suas prerrogativas, mas o Congresso também tem as suas atribuições constitucionais, entre as quais o exercício do poder constituinte derivado, por meio de que poderá alterar o “desenho institucional” que propicia o ativismo judiciário, gerador de insegurança jurídica.

Ao ministro Barroso, que enche a boca para falar de progresso, mas não consegue ver humanidade na criança nascitura, ainda gostaria de recordar um fato histórico, acontecido quando o comodoro Matthew Perry, um oficial da marinha dos Estados Unidos, chegou ao Japão, em 1853, e tentava convencer os governantes do país a estabelecerem relações comerciais com o Ocidente. Estes lhe perguntaram que vantagem obteriam com isso. Perry respondeu que seria o progresso. O que é progresso? – perguntaram então eles, pois o intérprete não encontrava nenhuma palavra japonesa correspondente. O comodoro refletiu por alguns momentos sobre como poderia explicar o que seria progresso para representantes de um mundo ainda imerso no feudalismo. Por fim, declarou: “Progresso significa não matar crianças em épocas de carestia”.

Rodrigo R. Pedroso é advogado, mestre em filosofia pela FFLCH/USP, procurador da Universidade de São Paulo.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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