Há um século nasceu um mato-grossense peculiar pela sua teimosia, destinado a driblar as constantes peripécias das autoridades políticas para cumprir o dever do momento – qualquer que fosse. E foram muitos: os deveres de diplomata, travando contato com as grandes lideranças globais; os de ministro, a enfrentar o monstro persistente da inflação. Mas a vida pública de Roberto de Oliveira Campos, a quem as esquerdas recordarão como “Bob Fields”, foi, acima de tudo, dedicada a lutar por uma causa: a do combate à cultura estatizante da administração pública tupiniquim.
Não é difícil entender por que o distinguimos por ser teimoso. Não fosse por esse qualificativo – que transita entre a virtude e o defeito, a depender de quem julga –, Roberto Campos não poderia sustentar até o fim da vida as bandeiras que ardorosamente abraçava, subversivas perante Vargas e Juscelinos, Ulysses e Goularts, beltranos e sicranos, quase todos os líderes com quem convivia e eram alérgicos às suas teses. Espirituoso, bem-humorado e crítico mordaz, Campos realizou mescla ímpar entre os comentários mais propícios a ferir o orgulho nacional e o amor à sua terra, sem o que não teria insistido tanto.
Nosso país foi tão teimoso quanto Roberto Campos em ignorar os seus alertas
O Brasil atual, acossado pelo desemprego e pelos efeitos de uma política intervencionista e irresponsável com os gastos públicos, ainda se debate com as mesmas questões que Campos levantou em sua longa trajetória. Um belo exemplo disso é a Constituição de 1988, idolatrada pelos “direitos” que teoricamente consolida, mas entravada, como dizia Campos, pelo intervencionismo autoritário que também consagra, embebedando-se em dirigismo e demagogia.
A doença da “constitucionalite”, como ele a rotulava, exerceu seus efeitos, já que a delimitação de esferas das mais particulares da vida nacional, do lazer à tecnologia, dos desportos à demarcação de terras indígenas, ficou alinhavada em um documento projetado para ser fundamento jurídico enraizado nas consciências nacionais, mas que, ao fim das contas, quase ninguém consegue assimilar bem.
A maior lucidez de Roberto Campos, de que o Brasil ainda está tão carente, é a de depositar a confiança nos “comos”, nos meios, mais que nos delírios, ilusões amargas que levam à decepção. É o seu ceticismo em relação a uma cultura de “pensamento mágico” que prega pontificar “direitos” em decretos como recurso automático para torná-los realidade. Um século depois do seu nascimento, nada disso poderia ser mais atual, devido a uma triste verdade: nosso país foi tão teimoso quanto Campos em ignorar os seus alertas.
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