"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo / Perdeste o senso!". Assim começa o poema Ouvir Estrelas, de Olavo Bilac. O poeta diz conversar toda a noite com elas, "pálido de espanto". Foi como nos sentimos nos últimos dias com o pouso do robô Philae no cometa 67P. O robô, do tamanho de uma geladeira, foi levado e lançado no cometa pela sonda Rosetta. O pouso não foi fácil, havia muita chance de dar errado, mas felizmente funcionou. Depois de intermináveis horas de espera, o contato foi restabelecido e os dados científicos, recebidos com festa na Terra.

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A missão Rosetta foi projetada e executada pela Agência Espacial Europeia (ESA), uma união de 20 países. Outras sondas já foram enviadas para cometas antes, mas foi a primeira vez que se pousou um robô para coletar e analisar dados. Os estudos previstos para a Philae representam cerca de 20% da missão; o resto é tarefa da própria Rosetta. As informações coletadas servem para entendermos melhor como se formou o Sistema Solar. Cometas são corpos que restaram da formação do nosso sistema planetário e, portanto, trazem assinaturas primordiais, de 5 bilhões de anos atrás.

O custo estimado da missão foi de 1,3 bilhão de euros, desde a concepção à execução, num período de 20 anos. É caro, mas não muito se considerado o tempo do investimento e o orçamento anual da ESA, que é de 4,3 bilhões de euros. De qualquer modo, é inevitável que ressurjam questionamentos quanto à moralidade de se gastar tanto com um experimento que, em primeira análise, não promete retorno financeiro ou social.

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Há várias justificativas para esse investimento. A primeira delas é a de que, evidentemente, não se trata de tirar dinheiro dos pobres para gastar com um brinquedinho. A Europa continua gastando muito dinheiro em programas sociais. Só o Fundo Social Europeu, que procura aumentar a empregabilidade nestes tempos de crise, tem um orçamento anual de 10 bilhões de euros. É suficiente para 150 Rosettas.

Mas a ciência é cara. Alguns defendem um modelo privado, no qual se buscam conhecimentos e lucros decorrentes deles. Perfeito, mas nem toda pesquisa gera lucro, ao menos num período de tempo razoável para os investidores. Ainda que toda a tecnologia espacial já desenvolvida nos traga muito lucro hoje, uma parte do investimento pode ser considerado sem retorno, como a missão Rosetta.

As missões espaciais não estão muito distantes das grandes navegações. Revelam o anseio do homem por algo maior do que ele mesmo. É pouco humano contentar-se consigo mesmo, com o mundo que conhecemos. Dentro de todos nós há uma sede pelo infinito, uma necessidade de sair de si mesmo e alcançar grandes conquistas. Quantos gastos, sofrimentos e mortes custaram aos europeus lançar-se ao mar? Valeu a pena? Um contemporâneo do nosso poeta parnasiano, o português Fernando Pessoa, em Mar português, responde que sim, pois "Tudo vale a pena / Se a alma não é pequena".

Poderíamos nos ater a um mundo estritamente pragmático, mas ainda estaríamos preocupados em proteger nossa caverna de predadores. Felizmente, ousamos nos lançar ao desconhecido, certos de que podemos ser maiores que nós mesmos. Pobres, mortes e desgraças sempre teremos entre nós. A ciência é como a arte, torna nosso mundo melhor, mais colorido, e só por isso já valeria o investimento. Alexandre Zabot, físico e doutor em Astrofísica, é subcoordenador do curso de Engenharia Aeroespacial da Universidade Federal de Santa Catarina.

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