O Brasil repete no incêndio da boate de Santa Maria a velha rotina macabra de todas as grandes tragédias coletivas: primeiro, o choque, o estupor; depois, a descoberta de que tudo ou quase tudo estava errado e que o acidente poderia ter sido evitado se uns e outros, empresários e funcionários públicos, não tivessem descumprido ou esquecido regras simples ou não tivessem simplesmente demonstrado absoluta irresponsabilidade. Segue-se a etapa das entrevistas com os "especialistas", sempre loquazes e confiantes em suas capacidades, e também das declarações enfáticas dos políticos, prefeitos, governadores e presidentes da República garantindo que "esses fatos lamentáveis que enlutaram a família brasileira nunca mais se repetirão"; e então vem a fase do esquecimento progressivo, dos processos que dormitam nas delegacias e nas mãos do Ministério Público, das manobras jurídicas, das prescrições judiciais, das famílias que perderam seus filhos e irmãos que nunca verão os responsáveis levados aos tribunais... e da espera por novas tragédias.
Estamos na fase um, do choque e do estupor, e a hora é de os telejornalistas correrem para levar ao ar mães e pais que perderam filhos, documentando seu choro e sofrimento. Para que? Para comprovar o que todos já sabem: que perder filhos é fonte de sofrimento infinito. E, de quebra, ganhar alguns pontinhos no Nielsen e no Ibope. As outras fases se seguirão.
Como quebrar essa rotina macabra de imprevidência, inconsequência e irresponsabilidade? Não serão as blitze de fiscais das prefeituras, subitamente despertadas de seu torpor permanente, que irão remediar essa situação. Logo, logo, fiscais terão de voltar às rotinas habituais e a vida continuará. Mas há, sim, um remédio: chama-se "responsabilidade in vigilando", a responsabilidade dos gestores maiores de vigiar a conduta, os atos e omissões dos funcionários sob seu comando. O Banco Central tem uma vasta experiência na área: se um funcionário de um banco comete alguma irregularidade, os dirigentes maiores do banco são também responsabilizados. Por quê? Eles não têm o dom da ubiquidade e da onisciência para acompanhar os atos de cada um de seus milhares de funcionários, mas têm obrigação de zelar para que seus subordinados não transgridam as normas.
Pois bem, o princípio da responsabilidade in vigilando deveria ser explicitado e aplicado a casos como o de Santa Maria e os que fatalmente se sucederão. Se o alvará estava vencido (ou inexistia), o prefeito e o secretário municipal da área, juntamente com seus diretores, deveriam ser responsabilizados por falta de vigilância. Se o Corpo de Bombeiros não fez as vistorias técnicas devidas ou não exigiu o cumprimento de regras para assegurar a manutenção de padrões mínimos de segurança internacional, vale o mesmo para o comandante e oficiais diretamente responsáveis.
Enquanto cada um de nós estiver, sem saber, correndo riscos de perder a vida ou a vida de alguém a quem ama por incompetência ou inconsequência de alguém distante e incógnito, continuaremos a nos chocar e a esquecer.
Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.
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