A presença de jazidas petrolíferas é um acidente do destino na vida de um país, e, a depender da postura de seu governo, de seu mercado e de sua sociedade, pode ser uma maldição ou uma bênção. Aliás, ao contrário do que se possa imaginar, costuma ser muito mais maldição do que bênção. Em tempos de debate sobre a regulação das áreas do pré-sal e sobre critérios de repartição federativa das receitas de sua exploração, é uma boa hora de se discutir o que se fazer com tal riqueza. E o ponto de partida é ver o que já ocorreu e o que ocorre em ou­­tras partes do mundo.

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Nos anos 60, a concentração econômica na exploração de depósitos de gás no Mar do Norte levou a Holanda a sofrer um processo de desindustrialização nacional em favor de importações compradas com o dinheiro fácil do extrativismo. É o famoso caso da doença ou do mal holandês, que, desde então, tornou-se lição do que não fazer com as receitas públicas advindas da exploração do petróleo e do gás natural. Segundo exemplo: muitas das economias nacionais do Oriente Médio (ainda que não só elas) representam o que se chama de "Estados rentistas", Estados cuja indústria local é pouco significativa, mas que se dão ao duvidoso luxo de viver de renda. Como o petróleo é um bem finito, viver de seus frutos hoje sem pensar no amanhã é até ofensa para as gerações futuras. Os homens de hoje fariam terra arrasada para os homens de amanhã.

Se o petróleo é uma dádiva da natureza, o que fazer com a renda pública gerada por ele depende de opções voluntárias. Há uma série de estudos que demonstram que, em muitos casos, a riqueza trazida pelo petróleo aos entes federativos brasileiros, em especial municípios, não se converteu em prosperidade econômica. Haveria uma dissipação curtoprazista, o que talvez seja psicologicamente explicável porque muitos administradores vivem o dia de hoje e a eleição de amanhã, mas não o mundo de daqui a vinte anos. Dentro desse quadro, numa perspectiva de realização do melhor interesse público, far-se-ia mister buscar saídas legais de constrição ao uso desse dinheiro.

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Para as áreas do pré-sal, e quanto às receitas da União, o Projeto de Lei n.º 5.490, de 2009, que cria o Fundo Social, parece, em linhas gerais, uma boa ideia. Restam, no entanto, as demais áreas produtoras e entes federativos. Uma possível proposta envolve a formulação de projeto de lei nacional (e não tecnicamente federal) que tanto criasse algum aparato de fiscalização especializada do uso desses recursos – o uso das participações governamentais não é fiscalizado especificamente por ninguém, mas recai sobre as atribuições gerais dos tribunais de contas – quanto um Grupo de Gestão In­­terfederativa Compartilhada, para impor sua utilização em certas finalidades afastadas no tempo e no espaço de decisão do momento presente. Tal lei indicaria, de modo geral, as destinações possíveis. É importante que haja um fórum de deliberação compartilhada entre estados e municípios porque as receitas da exploração do petróleo, tal como já decidiu o STF, são receitas públicas originárias, e não seria impossível ver uma violação ao princípio federativo numa imposição de cima para baixo para o uso de tais verbas. Também é importante que as destinações legais sejam amplas o suficiente para permitir alguma plasticidade na utilização desses recursos, especialmente diante de situações emergenciais, ainda que não tão amplas quanto hoje, em que o uso é praticamente livre.

E o problema é este: pagam-se royalties e de­­mais participações governamentais sob o fundamento de uma compensação ambiental ou social pela atividade extrativa, e/ou com o propósito de se deixar um legado pelo uso presente de um bem esgotável, mas a utilização dessa compensação financeira não é fiscalizada de modo específico nem é juridicamente vinculada a qualquer fim. É um erro, e do pior tipo: aquele cujos efeitos não sentiremos durante nossas vidas.

José Vicente Santos de Mendonça, doutor em Direito Público, é professor da disciplina "A regulação jurídica do petróleo e do gás natural" na Escola de Direito do Rio de Janeiro da FGV-RJ. Procurador do estado e advogado no Rio de Janeiro.jose.vicente@terra.com.br.