A produtividade de um setor de atividade que tem por objetivo aumentar o bem-estar da população, como é o serviço público, deveria ser medida exatamente pela elevação da qualidade de vida. Mas não é o que se vê em levantamento do Ipea
Pasmem: de acordo com um "estudo" publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado em um insólito "Comunicado da Presidência", o setor público brasileiro é mais produtivo do que o privado, a administração pública do estado de Roraima foi o que apresentou maiores ganhos de produtividade entre os estados brasileiros nos últimos anos, enquanto que a de Alagoas foi a terceira mais bem colocada e a do Maranhão, a sexta no ranking dos estados brasileiros. Em compensação, Santa Catarina apresentou um declínio de produtividade.
O ingênuo leitor pensará que, se a administração pública de Roraima apresentou um ganho de produtividade notável em sua atuação (136,6% em dez anos), a população deve ter experimentado, igualmente, um aumento significativo em sua qualidade de vida, pois é para isso que serve o setor público: "produzir" maiores e melhores condições de educação, de serviços médicos e de saneamento mais eficazes, mais segurança pública etc. Dessa forma, cresce a possibilidade de que os residentes vivam mais e melhor e desfrutem de maiores oportunidades, não é verdade? Essas realidades são medidas periodicamente pelo chamado IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), criado pela ONU para calcular a longevidade, as condições educacionais e a renda dos habitantes de uma determinada região. E sabem qual é a situação do IDH desses campeões de produtividade na administração pública? Roraima é o 18.º no ranking, com um IDH que é comparável ao da Guatemala, enquanto que Alagoas e Maranhão se revezam na última posição entre os estados brasileiros, com um IDH semelhante ao do Gabão, na África. Entre 1991 e 2000, o IDH de Roraima caiu do 8.º lugar para o 13.º no ranking dos estados brasileiros, e 18.º em 2005 no ranking brasileiro do desenvolvimento humano. Alagoas e Maranhão se mantiveram solidamente na lanterna e não caíram porque não havia para onde cair. Enquanto isso, Santa Catarina, cuja produtividade declinou, viu seu IDH aumentado no mesmo período: se em 2000, um catarinense era comparável a um habitante da Bulgária, em 2005 já se comparava com um habitante das Bahamas.
Como explicar essas discrepâncias? Não há outra explicação que não seja o primarismo técnico do "estudo". Afinal, a produtividade de um setor de atividade que tem por objetivo aumentar o bem-estar da população deveria ser medida exatamente por esses aspectos: qual é a quantidade das escolas existentes e qual é a qualidade do ensino que ministram; qual é a situação de saneamento básico, de saúde pública, qual o nível da criminalidade e a qualidade do aparelho policial e judiciário preventivo e repressivo? E qual é a capacidade dos residentes de sobreviver e progredir economicamente na região onde o índice é calculado? O Estado, em si, não gera recursos; só faz é gastar aquilo que a sociedade lhe transfere, o mais das vezes involuntariamente, pagando impostos e comprando produtos e serviços fornecidos por agências públicas a preços monopolistas, pois o Estado é o único fornecedor e, portanto, não tem concorrentes na hora de fixar seus preços. Portanto, a produtividade do setor público não pode nem deve ser medida por quanto o Estado gasta e sim como ele gasta. Na realidade, quando o Estado se apropria de uma parte maior do PIB, está transferindo recursos de quem produz para quem só gasta.
No entanto, o que o tal "estudo" divulgado pelo presidente do Ipea sustenta é exatamente o contrário, ou seja, que quanto mais os governos gastam, mais produtivos se tornam. Assim, quando a carga tributária no Brasil crescer, isso contribui para o crescimento também da "produtividade" do Estado, desde que o número de funcionários públicos não tenha crescido na mesma proporção, o que é um contrassenso.
Não acredito nessas tolices apresentadas com ares de estudo científico. E a única coisa em que acredito nesse episódio do "Comunicado da Presidência" é que a velha tradição de integridade técnica do instituto, que desde os tempos pioneiros do Escritório de Pesquisa Econômica Aplicada (Epea) reagiu a todas as tentativas de manipulação e de intimidação no passado, desta vez não resistiu à sapiência engajada e politicamente subserviente do Dr. Pochmann e de seus colegas.
Belmiro Valverde Jobim Castor é Ph.D. em Administração Pública pela University of Southern California e Professor do Doutorado em Administração da PUCPR.