Nosso país vive, ainda nos dias atuais, um problema que deveria já ter obtido solução por parte de nossos governantes: o acesso à água potável e à coleta de esgoto. Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) apresentados no ano passado mostraram que quase 35 milhões de brasileiros não têm acesso ao abastecimento de água e apenas 46% do esgoto gerado no Brasil sofre tratamento em estações de tratamento de esgoto (ETE). Problemas no abastecimento de água e coleta de esgoto acabam aumentando a demanda para atendimento na rede de saúde pública, tiram a dignidade da população e aumentam ainda mais uma espécie de apartheid social entre ricos e pobres, em que as populações mais pobres acabam não obtendo acesso a este serviço básico.
Embora legislações que tratem do tema, como a Lei do Saneamento Básico de 2007 e o Plano Nacional de Saneamento Básico de 2014, estabeleçam metas para a universalização do serviço até o ano de 2033, o modelo antigo privilegiava a ação estatal para resolução de tal problema; todavia, como apontava o Nobel de Economia Milton Friedman, “a solução do governo para um problema é normalmente tão ruim quanto o problema”. Não são novidades problemas na gestão de companhias estaduais de águas e esgoto por todo o território nacional, como o caso da água com geosmina fornecida pela Cedae no Rio de Janeiro, ou a cobrança de 80% a título de taxa de esgoto por parte da Companhia de Saneamento de Sergipe (Deso), enquanto dados do Instituto Trata Brasil apontam que 77% da população do estado não tem acesso ao serviço.
O Marco Geral do Saneamento, sancionado no ano passado pelo presidente Jair Bolsonaro, vem oferecer soluções para que o Brasil possa universalizar o acesso à água e à coleta de esgoto, com uma maior participação do setor privado para dar respostas imediatas a este problema tão grave.
O principal exemplo de sucesso de concessão para a iniciativa privada vem da cidade fluminense de Niterói, governada desde 1988 pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) ou pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Apesar de governada por partidários da participação estatal nas atividades econômicas, a cidade concedeu o serviço à iniciativa privada em 1999, durante a gestão de Jorge Roberto Silveira (PDT), universalizou o acesso à água e vem caminhando para a universalização da coleta de esgoto. Segundo dados do Instituto Trata Brasil, a cidade já atende 100% da população no abastecimento de água e 95,34% da população já tem seu esgoto tratado.
De acordo com dados da professora da Universidade de Brasília (UnB) Conceição Alves, cada R$ 1 investido em água e saneamento básico economiza R$ 4 em saúde; apenas no primeiro trimestre de 2020, o Sistema Único de Saúde gastou mais de R$ 16 milhões com internações provenientes de doenças relacionadas à falta de saneamento básico, dado apresentado pela Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes).
Um argumento utilizado pelos opositores da concessão do serviço de águas e esgoto seria o de que empresas atenderiam apenas as áreas mais rentáveis, deixando as áreas mais pobres sem atendimento. Porém, isto já vem acontecendo nos dias atuais com o modelo pré-Marco Geral do Saneamento, baseado na participação estatal: no caso do Rio de Janeiro, a estação de tratamento do Rio Guandu, instalada na cidade de Nova Iguaçu, é responsável pelo abastecimento de água da capital, enquanto Nova Iguaçu e as suas cidades vizinhas sofrem com a recorrente falta de abastecimento de água.
A recente privatização da Cedae, obrigação imposta pelo governo federal para o ingresso do estado do Rio de Janeiro no Regime de Recuperação Fiscal (RRF), primeira concessão do setor após a sanção do Marco Geral do Saneamento, apresentou respostas claras para estes questionamentos, com a divisão de lotes, oferecendo no mesmo pacote locais rentáveis, chamados de “filé sem osso” – como as cidades da Região Metropolitana, bairros da capital e Baixada Fluminense –, e locais menos rentáveis, chamados de “filé com osso”, caso as cidades do interior Norte e Noroeste do estado.
O modelo anterior ao Marco Geral do Saneamento não beneficiava a população, mas apenas políticos que utilizavam da estrutura das companhias de água e esgoto para garantir nomeações de membros de seu grupo político, realizar obras com a proximidade das eleições em busca de votos, além de utilizar os sindicatos de funcionários das empresas como trincheiras para disputas políticas.
As empresas vencedoras das concessões precisam, sim, ser fiscalizadas por agências reguladoras, prefeituras, câmaras municipais, órgãos da sociedade civil e população em geral para que ofereçam um serviço digno e com preço justo ao consumidor usuário dos serviços. Porém, o Estado precisa se modernizar cada vez mais, entendendo o setor privado como um aliado em busca da prestação dos serviços, em vez de conservar uma aversão total ao capital privado, mantendo uma mentalidade estatista que remete ao período varguista e aos governos petistas, em que os maiores prejudicados são os mais pobres, que continuarão sofrendo com falta de água em suas torneiras e pisando em poças de esgoto na porta de suas casas. Como apontou Roberto Campos em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras em 1999, “hoje rezo para que ele (Estado) seja apenas um jardineiro, adubando o solo, extraindo ervas daninhas e deixando as plantas crescerem... E um samaritano competente, para cuidar do social”.
*Jefferson Viana é assessor parlamentar na Câmara dos Deputados e membro do Instituto Brasileiro Conservador (IBCON).
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