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O ministro da Educação, Camilo Santana, abriu a temporada de caça às bruxas na educação superior brasileira. Sem conseguir dizer para que veio após 10 meses de governo, o Ministério da Educação afogou em consultas públicas a reforma do ensino médio, adiando por tempo indeterminado a tão necessária adequação da etapa que perde mais de 40% dos matriculados. E que é a grande responsável pelos “nem-nem” brasileiros.
Como é natural em governos populistas, mais uma vez, foi aberta uma “audiência pública” com duração de 30 dias para justificar uma portaria que vai punir a modalidade EAD (ensino à distância) do ensino superior, somente por ser acessível mesmo sem políticas assistencialistas como o "Bolsa Família", o "Minha Casa, Minha Vida", o FIES sem expressão e um PROUNI que não muda a realidade social.
Utilizar o EAD como o “boi de piranha” para as falhas regulatórias em todas as etapas da educação é uma nuvem de fumaça para um Ministério ineficiente e sem propostas de evolução.
O motivo é o medo – influenciado pelo lobby de grandes grupos já consolidados – do crescimento da modalidade que é um fenômeno único no mundo e que dá acesso ao ensino superior, principalmente, às mulheres negras e pobres; aos membros de comunidades ribeirinhas – que mesmo com o EAD fazem longas viagens de barco para realizar atividades presenciais; aos cidadãos autistas e portadores de TDAH que conseguem se aplicar, em escala, neste modelo sem a exposição natural do presencial.
A forma de combater o EAD com o aumento da régua da avaliação, considerando aprovados apenas os cursos e instituições com notas, pelo menos, 4 (numa escala de 1 a 5), escancara o desapego ao quesito "qualidade", já que os cursos presenciais que formam o mesmo perfil terão aprovação com nota 3. Muitas são, portanto, as razões para questionar as propostas de ajustes regulatórios trazidos para considerações na pesquisa pública.
A primeira é a pedagógica: até os piores professores sabem que para melhorar a qualidade da formação não basta aumentar a nota de aprovação, e sim aprimorar os indicadores das melhores práticas. A segunda, regulatória: a Lei de Diretrizes Básicas da Educação Nacional (Lei 9394/1996) traz, em seu parágrafo 80, que o Estado deve estimular o uso e aplicação de novas metodologias e tecnologias educacionais. Nem o Plano Nacional de Educação publicado em 2014, que tem final de ciclo em 2024, atingiu qualquer uma das metas estabelecidas, inclusive a de acesso ao ensino superior com a taxa bruta. E nem com a taxa líquida (idade adequada ao acesso).
Já a terceira razão é econômica: a caça ao EAD vai explodir o setor da educação superior, que é o que mais emprega e mais contribui com impostos neste segmento. O atual governo será o responsável pelo retrocesso ao acesso ao ensino superior, podendo inverter a curva de crescimento do EAD e não garantindo a retomada do presencial. Isso inviabiliza um dos setores econômicos mais relevantes da economia brasileira pelo seu papel indutor de novos negócios e investimentos.
A qualidade relativamente ruim dos professores é histórica, muito anterior ao momento de crescimento do EAD. As diretrizes educacionais para as licenciaturas não levam em conta a realidade da tecnologia e nem mesmo a realidade social dos estudantes, em todas as etapas. Assim, utilizar o EAD como o “boi de piranha” para as falhas regulatórias em todas as etapas da educação é uma nuvem de fumaça para um Ministério ineficiente e sem propostas de evolução. É mais fácil segurar portarias de autorização de cursos, de credenciamentos institucionais, barrar as reformas e as evoluções pela regulação.
Cedo ou tarde, a verdade virá à tona, o que pode derrubar o ministro e sua equipe inoperante. O grande lamento é que o preço de tudo isso será o retrocesso da evolução metodológica e tecnológica, enquanto a população brasileira envelhece e não se torna produtiva. Todos os nomes atualmente à frente da pasta entrarão para história da educação superior do Brasil, pena que como os executores da restrição punitiva da forma mais inclusiva de acesso ao ensino superior já vista no país.
Como sempre, sob o pretexto da "qualidade educacional", que na realidade nunca é efetivamente o foco do governo. Os resultados das provas comparativas mundiais são o reflexo disso.
César Silva é presidente da Fundação FAT.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos