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São Tomás de Aquino ladeado por Platão e Aristóteles.
São Tomás de Aquino ladeado por Platão e Aristóteles.| Foto: Reprodução

Santo Tomás de Aquino, no De Veritate, se pergunta se todas as coisas que existem tendem para o bem. E responde que sim. Pois, tudo que existe busca sua perfeição. “Respondo dizendo que todas as coisas tendem ao bem, não só as que têm conhecimento, mas também as que são privadas dele” – escreve.

Lembremos que o bem é aquilo que todo ente tende, isto é, a sua perfeição, ou a perfeita atualização de sua natureza. Podemos dizer que algo é bom quando chega a sua perfeição natural. Por exemplo, a vista é boa quando vê. O livro é bom quando alguém lê nele. A célula é boa quando produz energia. Pense agora qual a finalidade desta coisa que está a sua frente agora. Eis o seu bem.

Todas as coisas tendem para o bem, para a perfeição sua, mesmo sem terem inteligência para se ordenarem a esse bem.

Isso é fantástico, pois a ordem nas coisas é um princípio universal. Qualquer um nota a sua volta que cada coisa tende ao seu bem, a sua perfeição, a sua conservação e realização. A sua causa final. É esse um dos princípios mais eminentes das coisas. O chamado realismo do princípio de finalidade. Por isso, desde Aristóteles esse é um princípio metafísico fundamental: todo ente busca a perfeição. É um princípio metafísico que é percebido pela inteligência na contemplação do mundo a nossa volta.

Mas cabe notar que embora todas as coisas tendam para o seu bem, algumas tendem para o bem se dirigindo a si mesmas para ele. Outras são dirigidas e orientadas para o bem por outros. Santo Tomás salienta que para que um ente se dirija a si mesmo para o seu bem, ele precisa ter conhecimento desse bem. Pois, assim, pode querer e se ordenar para ele. Neste caso, apenas os entes que têm conhecimento podem se ordenar a si mesmo ao bem. Quais são estes entes? O homem, os anjos e Deus. Para ordenar é preciso ter inteligência. Anotem esse princípio.

Agora, os entes que não têm a capacidade de conhecer o fim a que devem tender, precisam ser ordenados por outro, como no caso da flecha que é ordenada e dirigida ao seu fim pela mão do arqueiro. Neste caso, é necessário que aquele que dirige tenha conhecimento do fim a que dirige, se não seria um cego guiando outro cego. De qualquer modo, toda ordem pressupõe duas coisas: 1) um fim a ser buscado; 2) uma inteligência que ordene a coisa para chegar por meio e disposições adequadas até esse fim.

Desde os primórdios da filosofia grega, sempre se soube que para que as coisas estejam ordenadas aos seus fins se faz necessário uma inteligência que as ordena. Sob esse ponto de vista metafísico, podemos entender perfeitamente porque as coisas naturais a nossa volta, mesmo sem inteligência, sempre se ordenam a certo fim ou a certas perfeições suas. Um exemplo é todo coração que sempre se inclina ou tende para a sua perfeição, que é bombear o sangue. Embora não tenha inteligência para se ordenar, o coração está ordenado, não ao acaso, diz Tomás, pois o acaso acontece raramente e não em todos os casos, mas perfeitamente ordenado, assim como todas as coisas do mundo natural. O coração não é apenas conduzido para o seu fim, mas, nele mesmo, há uma inclinação natural para seu fim. É notável que todo coração saudável obre sempre visando a sua perfeição. Notem que a exceção e o acaso se dão somente na deficiência de um coração doente, mas, a regra é a ordem, a harmonia, a perfeição.

Mas, para garantir essa ordem, há, portanto, nos seres que não têm inteligência, outro alguém inteligente, alguém que dirige e inclina o coração para alcançar seu bem, um intelecto que é a causa dessa sua ordem. Há alguém que, para além de conduzir, põe no coração, na sua intrínseca natureza, uma ordem, uma disposição, para que obre sempre conforme sua natureza e seu fim. E assim é em todas as coisas naturais. Se as coisas naturais têm ordem, e buscam sempre o seu bem, quem seria este ordenador que está por trás de todo bem?

Escreve Santo Tomás no De Veritate: “Contudo, aquilo que é dirigido ou inclinado para alguma coisa por meio de outro, é inclinado para aquilo que é intencionado por aquele que inclina ou dirige, como para a flecha que é dirigida ao mesmo alvo ao qual o arqueiro visa. Donde, como todas as realidades naturais, por alguma inclinação natural, são inclinadas para seus fins pelo primeiro motor, que é Deus, é necessário que aquilo para o qual cada coisa é inclinada naturalmente, seja o que é querido ou tencionado por Deus”. Ora, a sabedoria divina é a causa ordenadora que harmoniza e dispõe todas as coisas do mundo, inclusive o próprio universo, para o seu bem. “Por causa disso, também se diz, em Sb 7, 1, que a sabedoria divina dispõe todas as coisas suavemente, porque cada coisa, por seu movimento, tende para aquilo a que está divinamente ordenada.”

Frente a essa evidência – de que todas as coisas tendem para o bem, para a perfeição sua, mesmo sem terem inteligência para se ordenarem a esse bem – como ainda o cientista moderno pode querer negar a existência dessa inteligência ordenadora?

Willian Kalinowski, graduado, mestre e doutorando em Filosofia, é professor, membro pesquisador da Sociedade Brasileira para o Estudo da Filosofia Medieval; membro do Conselho Científico do Instituto De anima. É autor do livro “O intelecto e as virtudes intelectuais em Santo Tomás de Aquino”.

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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