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Novo boletim da Defesa Civil do Rio Grande do Sul
RS tem sofrido com a onda de roubos, saques e outros crimes após as enchentes no estado.| Foto: Gustavo Mansur/ Palácio Piratini

A humanidade é, dentre todas as espécies que já habitaram a Terra ao longo de seus bilhões de anos de existência, a que possui o maior poder de destruição. E não estou me referindo apenas ao vasto e diversificado arsenal de armas mortais que existem em muitos países ao redor do planeta. Não, não quero falar das guerras entre nações, que são, sem dúvida, uma abominação, mas sim da índole do ser humano comum.

Como é possível que alguém, diante de uma tragédia como a que estamos presenciando, se aproveite da situação para roubar e fazer saques nas propriedades desprotegidas no Rio Grande do Sul? É verdade que existe uma imensa corrente de solidariedade, proveniente de todos os lados: órgãos oficiais, ONGs, igrejas, clubes, comunidades de bairro e até mesmo cidadãos comuns. Milhares de voluntários estão doando seu tempo e suas habilidades, às vezes até arriscando suas vidas em prol de pessoas que nem conhecem. No entanto, o mal persiste em ofuscar o bem.

Como é possível que alguém, diante de uma tragédia como a que estamos presenciando no RS, se aproveite da situação para roubar e saquear propriedades desprotegidas?

Como explicar que milhares de pessoas, muitas delas idosas, se recusem a deixar suas casas, pequenos comércios e armazéns por medo de serem vítimas de saques? Aqueles no RS que agem dessa maneira não têm caráter algum e são ainda piores do que os animais ditos irracionais, pois estes não atacam, roubam ou matam deliberadamente sua própria espécie. Sinceramente, sinto-me indignado como ser humano e, indo contra todas as minhas crenças, penso que aqueles que abusam daqueles que já perderam praticamente tudo não merecem fazer parte da comunidade e não merecem uma segunda chance. Infelizmente, os perpetradores desses saques no RS, ao que tudo indica, são pessoas comuns, homens e mulheres que não têm o roubo como meio de vida.

Essas pessoas não se manifestam apenas em grandes catástrofes, mas também episodicamente no cotidiano. Por exemplo, todos nós já testemunhamos acidentes rodoviários envolvendo carretas que transportam alimentos, eletrônicos ou qualquer outro bem de valor. Dezenas de pessoas comuns surgem do nada, como um cardume de piranhas atacando um animal ferido e indefeso, dilacerando-o até a morte. A carga da carreta acidentada é saqueada em questão de minutos, e geralmente não se preocupam se alguém ficou ferido no acidente. Como chegamos a esse estado de barbárie?

Será porque já é desumano viver em cidades gigantescas, onde tudo é difícil e precário para a maioria de seus habitantes? Será devido à impunidade que assola este país há séculos? Será porque, no consciente coletivo, pensamos que se eu não roubo, outros vão roubar, e chega de sermos ingênuos? Ou será porque não temos em nossa cultura a formação adequada de valores verdadeiramente humanos? Afinal, tenho certeza de que a imensa maioria das pessoas com mais de 10 anos sabe que roubar algo ou alguém ou fazer saques às propriedades alagadas no RS não é correto, talvez não saibam que é um crime, mas sabem que é errado. Não devemos amenizar a punição para quem comete esse tipo de delito.

Acredito que estamos chegando a um ponto de não retorno. Ou retomamos o caminho de uma cultura de paz, solidariedade, responsabilidade social e convivência pacífica e ordeira, onde os livros devem ser mais acessíveis do que as armas e onde a comunicação seja baseada em princípios éticos e não em desinformação. Ou então os atuais filmes de ficção futurista, nos quais prevalece a lei do mais forte, a barbárie, a selvageria e a total desumanidade, sem qualquer tipo de lei ou ordem, se tornarão rapidamente realidade. Esses cenários já fazem parte do nosso cotidiano.

Celso Luiz Tracco é economista, teólogo e escritor. Autor dos livros “O Jogo Não Acabou”, “Vencendo Relacionamentos” e “As Margens do Rio Ipiranga”.

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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