Do jeito que está encaminhada a eleição do presidente da Câmara dos Deputados, com o governo armando a barraca para a mercancia dos votos, pagando qualquer preço para a montagem da base parlamentar majoritária, francamente, e sem querer fazer graça, bate uma saudade da curta passagem pelo comando da Casa do ex-deputado Severino Cavalcanti, com a franqueza estabanada do rude sertanejo nordestino e que descobriu e consagrou o baixo clero como a bancada que mistura ou ignora siglas e se junta na solidariedade ao atendimento das suas reivindicações.
O jogo era claro, sem subterfúgios. Severino assumiu a liderança da mancha cinzenta de parlamentares anônimos, que ocupam as últimas filas do plenário e espanta o tédio contando anedotas picantes ou falando mal dos ausentes, mas derrapou na casca de banana da cobrança de propina ao arrendatário do restaurante da Câmara, renunciou ao mandato para escapar da cassação e não conseguiu a reeleição, punido pelo eleitor pernambucano.
A Câmara, o Congresso tocaram a vida na toada da hipocrisia, fingindo indignação com a avalanche dos escândalos e escancarando a porteira para a fuga dos denunciados pelas CPIs, pelo Conselho de Ética, o procurador-geral da República.
O manto esfarrapado do silêncio abafou o incômodo ruído das cobranças e não se fala mais na corda das punições na casa dos que escaparam da forca.
Mas o Congresso ignorou a indignação popular, abafada com a reeleição de Lula. E no andar da carruagem demonstra que não mudou a toada da finória dissimulação. As articulações, os acertos e compensações dos dois candidatos ostensivos ao sacrifício patriótico de presidir a Câmara enquanto o Senado cochila com a sabedoria da idade repetem sem tirar nem pôr o modelo do criador, o esquecido Severino.
Com a diferença para mais ou para menos do blablablá das pesquisas, da mistificação sofisticada de candidatos de melhor nível cultural. Só os desatentos deixam-se enganar pelo truque primário de desviar o debate dos graves pecados éticos do comportamento parlamentar para a miudeza de questiúnculas que passam em branco pelo desinteresse do povão.
Com menos jogo de cintura e mais pose, o atual presidente, deputado Aldo Rebelo único representante do minúsculo PC do B, autor da proeza da convocação dos suplentes dos deputados que se elegeram para os governos estaduais e que embolsaram cerca de R$ 100 mil para não fazer absolutamente nada na Câmara fechada, no recesso do fim de ano declara-se um ardente defensor da moralização e da transparência da atividade parlamentar.
Na corda bamba do favoritismo dos palpiteiros, o deputado petista Arlindo Chinaglia, amparado pela rebelião dos reivindicantes de goela insaciável do PT, equilibra-se no óbvio de promessas inodoras de ênfase oca como "o meu compromisso é de não permitir que a Casa se transforme numa pizzaria, um lugar onde impera a impunidade". Por onde andou o deputado Chinaglia nos últimos quatro anos?
O dramático do conflito ético do descalabro moral e da degradação que corrói a autoridade do Congresso é que as soluções radicais são da mais transparente evidência, mas de insuperável inviabilidade.
Viciados em mordomias, vantagens, benefícios que se multiplicam a cada sessão legislativa com a fecundidade de camundongos, o mandato parlamentar ascendeu as grimpas de um dos melhores empregos do mundo, nas alturas dos R$ 100 mil mensais.
A orgia começou com a mudança da capital, em 21 de abril de 1960, para Brasília inacabada, ainda um canteiro de obras. Daí para a semana parlamentar de dois a três dias úteis, para as quatro passagens mensais pagas pela viúva para o fim de semana na base eleitoral foi um pulo em piso macio.
Acabar com a madraçaria oficializada reclama a coragem suicida do corte das passagens e a revisão dos extras, alguns de constrangedora maroteira como a verba indenizatória de R$ 15 mil mensais, apelido de salário indireto e isento de imposto de renda.
Como o tema estará em pauta até a eleição das Mesas do Senado e da Câmara, em 1.º de fevereiro, temos tempo e indignação para remexer o lodo das mordomias parlamentares.
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