Quando se trata de saúde e de atuação profissional para a preservação da vida, o fator econômico acaba, muitas vezes, por ser o maior vilão. Na esfera pública existem barreiras orçamentárias, má gestão das políticas públicas e falta de desenvolvimento de mecanismos de coparticipação do paciente no seu financiamento, como já ocorre em outros países europeus. Já na esfera privada, o entrave financeiro é colocado pelas astutas cláusulas contratuais e pela auditoria dos planos de saúde que, valendo-se da obscuridade e vagueza dos contratos, coincidentemente, negam os exames e tratamentos mais modernos e eficazes, tolhendo a autonomia médica, e restringindo a possibilidade efetiva de cura dos pacientes.
A garantia da saúde do cidadão brasileiro passa a não depender do conhecimento do profissional da área clínica, sendo transferida às mãos dos detentores de poder econômico, decepcionando aqueles que acreditavam que o conhecimento científico avançado e de última geração estaria acessível a todos.
A igualdade e a universalização de direitos, constitucionalmente garantidas, caem por terra no que depender das políticas públicas, da regulação do setor privado e das auditorias das operadoras de plano de saúde, que parecem pretender a mera garantia da assistência básica, não suprindo as necessidades individuais.
Quando um cidadão adere ao plano de saúde privado, em alternativa ao sistema público, já o faz com a expectativa de que, na eventualidade de uma doença, poderá receber tratamento mais ágil, eficiente e moderno. No entanto, isso não tem ocorrido, não pela falta de profissionais altamente especializados e motivados, mas pela displicência, ou ganância, de muitos dos administradores dos serviços privados, os quais, no final das contas, não serão responsabilizados caso o paciente venha a morrer.
Dentro de um cenário em que o médico se vê restringido a tratar e diagnosticar nos limites autorizados pelas seguradoras, em total afronta ao que rege a ética médica, tem-se tentado imputar, erroneamente, a este profissional a culpa pelo insucesso de muitos tratamentos e simultâneo aumento das demandas judiciais contra os planos de saúde.
Cresce o número de ações judiciais contra as seguradoras, tendo por base a defesa da justa expectativa do paciente consumidor e a proteção do direito à vida, dado que o vasto conhecimento médico e rápido desenvolvimento da ciência biomédica e indústria farmacêutica aumentam as chances de curas e tratamento para um maior número de doenças, não havendo, porém, adaptação do setor público e privado para esta demanda.
Ciência e Medicina apresentam soluções, que dependem de formas de financiamento, implementação e gestão eficientes dos recursos. Particularmente, no setor privado soma-se ainda a falta de controle e fiscalização efetiva da agência reguladora, o que acaba apenas estabelecendo exigências mínimas às seguradoras.
Portanto, essa judicialização excessiva não pode ser atribuída aos profissionais médicos que, dentro do seu conhecimento, procuram os maiores benefícios aos pacientes, mas é fruto muitas vezes das arbitrariedades dos operadores privados e da própria inoperância da administração pública na regulação do setor.
Os cidadãos brasileiros constatam, estarrecidos, o escandaloso desvio de medicamentos excepcionais e de alto custo, a falta de medicamentos básicos na rede pública por atrasos injustificados de licitação, a ausência de profissionais suficientes para a demanda de pacientes, a desvalorização dos médicos que diante da carga de trabalho excessiva passam a realizar consultas apressadas; além dos casos de pedido de complementação de pagamento do procedimento por conta dos baixos honorários pagos pelos planos de saúde.
A situação da saúde brasileira, tanto da perspectiva da prestação pública ou da prestada pelos sujeitos privados (particularmente, pelas operadoras de plano/seguro de saúde) é dramática e exige medidas urgentes.
Carlos Eduardo Dipp Schoembakla, advogado, é professor de Direito Civil da UniBrasil; Michelle Chalbaud Biscaia Hartmann, advogada e especialista em Direito da Saúde.