No ano mais desafiador da sua história – no qual não haverá pouco ou nenhum espaço para desperdícios ou qualquer tipo de romantismo – a saúde suplementar enfrenta um novo desafio: o cenário político que se voltou contra as agências regulatórias. A emenda 54, de autoria do deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), incluída no projeto de conversão em lei da Medida Provisória (MP) 1.154 traz ainda mais risco e insegurança jurídica para o setor, se aprovada e consolida o processo de esvaziamento da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Aqui cabe relembrar: em 2022, com a implementação da Lei 14.454, que mudou o entendimento de décadas de que o rol de procedimentos da ANS é taxativo, tornando-o exemplificativo, o poder de fiscalizar e regular o setor da agência foi abalado. A lei, com texto vago e difuso, não deixa claro uma série de pontos que a levou ter sua constitucionalidade questionada no Supremo Tribunal Federal. Além de abalar a capacidade da ANS de fiscalizar e regular o setor, a nova norma trouxe uma insegurança jurídica e atuarial para as operadoras de saúde, “bagunçando” o setor. E tudo isso foi feito pelo legislativo e sancionado pelo executivo sem qualquer estudo ou discussão realmente técnica sobre o real impacto para as empresas.
Defender a ideia de retirar poder das agências é perigoso em todos os aspectos. Na saúde suplementar, é desprezar a história e a vontade da população.
E é nesse contexto que, novamente, o Legislativo traz uma proposta de “reorganização do Executivo” que, na prática, tira o poder de regulação das agências e dos técnicos e deixa as regras do jogo à mercê da vontade política – que, sabemos, não está preocupada com o que é real e factível, mas com o que traz popularidade e votos.
A discussão ainda viva sobre o rol e a nova tentativa para retirar poder regulatório das agências, trocando as análises técnicas por vontades políticas, devem trazer ainda mais insegurança para a saúde suplementar. Como consequência, veremos um cenário de manutenção dos prêmios em alta, o que inibirá ainda mais a entrada do jovem por incapacidade de pagamento. Com isso, as mensalidades ficarão mais caras, e muitos, principalmente os mais velhos, ficarão pelo caminho. Esse é um ciclo que prejudica a todos, sem distinção.
Quem aplaude o esvaziamento das agências reguladoras – e, em especial da ANS – deveria ter em mente que, diferente de outros mercados, na saúde, encontramos movimentos econômicos e sociais conflituosos, assimétricos e desproporcionais. Estamos falando de um setor incapaz de alinhar incentivos, no qual todos, sem exceções, são completamente dependentes de um direcionamento para manter um equilíbrio aceitável.
Defender a ideia de retirar poder das agências é perigoso em todos os aspectos. Na saúde suplementar, é desprezar a história e a vontade da população em ter um plano de saúde. É desprezar a necessidade de ter um mercado robusto, forte e preparado para planejar um futuro seguro e sustentável para todo o ecossistema, desde as empresas até os beneficiários. É entender que esse caminho gera exclusão, e não inclusão na saúde suplementar. E que o resultado dessa conta será maléfico também para o SUS, que terá que bancar a conta daqueles que serão expulsos do sistema privado por incapacidade de pagar a conta final.
Rogério Scarabel, graduado em Direito e com especialização em Gestão Hospitalar e Organização da Saúde e Responsabilidade Civil e Direito do Consumidor, é ex-diretor da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) e sócio da M3BS Advogados.
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