São bastante comuns as exigências de que a administração pública seja mais eficiente. As estruturas empresariais nos fazem perceber que a eficiência não é realizada apenas com economia de recursos
De tempos em tempos, os acionistas se reúnem para escolher os diretores responsáveis pela condução de seus negócios. E o fazem em uma Assembleia-Geral Ordinária, ou AGO. Como este é um dos momentos de maior importância na vida da sociedade, a Lei das Sociedades Anônimas (LSA) traz uma série de regras para que se garanta que sejam tomadas as melhores decisões.
Esta não é uma época de AGOs nas companhias (elas devem ser realizadas até abril). Mas daqui a poucos dias o Brasil promoverá a maior das AGOs. Uma AGO que, se fosse regida pela LSA, seria bem diferente deste imenso campeonato de marketing barato a que estamos assistindo, prostrados.
A primeira regra societária que cairia bastante bem é a relativa à não obrigatoriedade do voto. Numa sociedade empresária, vota quem quer, quem tem interesse nas demandas da empresa. Nesse sistema, não se corre o risco de o voto de alguém desinteressado seja equiparado ao de alguém interessado, de alguém que se preparou analisando as opções e verificando o que é melhor para sociedade. O voto de quem não quer votar é o voto desinformado, o voto que não traz benefício à sociedade. E deste voto as empresas não fazem a menor questão.
Outra que seria fantástica se efetivamente fosse aplicada ao processo eleitoral é a regra que dispõe que os administradores da companhia devem ter reputação ilibada, e não podem ter interesse conflitante com a sociedade. Tem muito candidato com uma ficha corrida de escândalos que o impede de ser síndico de condomínio, mas acaba encontrando um confortável assento nas cadeiras mais poderosas da nação.
Outro aspecto das assembleias-gerais que bem poderia ser aproveitado nos processos eleitorais é o âmbito da votação. Nosso regime político dá ao cidadão tão-somente o poder de escolher seus representantes, a quem incumbe a decisão material sobre praticamente tudo (com a eventual exceção dos plebiscitos). Nas AGOs e AGEs das companhias, decide-se sobre muita coisa, desde a aprovação das contas da administração às reformas estatutárias.
Todos lembram as lições básicas da ciência política. Todos sabem que a democracia indireta foi criada porque a praça ateniense começou a ficar pequena, sem condições de comportar todos os cidadãos. E, a partir do momento em que ficou impossível ouvir a todos, desenvolveu-se um sistema de eleição de representantes do povo.
O que talvez não tenhamos percebido é que existe uma grande praça, em que todos cabem, em que todos podem ouvir com clareza e serem ouvidos: a imensa praça virtual que é a web. Nada obsta que matérias sejam colocadas à discussão, com upload de fundamentos e argumentos, para que ao final do período de maturação proceda-se à votação. Por que não?
Em um sistema assim, os políticos continuariam a ser eleitos. Mas eles fariam parte de um órgão deliberativo que não substituiria as assembleias-gerais. Eles fariam parte de um órgão complementar a essas assembleias. Um órgão com o formato dos conselhos de administração das companhias. Um órgão a quem caberia essencialmente direcionar a atuação dos diretores, ou, na esfera pública, dos membros do Poder Executivo. Hoje, o executivo legisla, o legislativo pouco faz e o povo nada mais faz do que votar em quem a tevê mandar.
São bastante comuns as exigências de que a administração pública seja mais eficiente. As estruturas empresariais nos fazem perceber que a eficiência não é realizada apenas com economia de recursos. Ela também advém do aperfeiçoamento do processo decisório, com maior controlador e participação dos stakeholders. Aliás, essas são as premissas essenciais da governança corporativa, que em muito aumentam o valor das companhias e que bem poderiam ser aproveitadas para o aperfeiçoamento de nosso triste processo eleitoral.
Fábio Tokars, mestre e doutor em direito, é advogado e professor na PUCPR, na Unicuritiba e na Escola da Magistratura do estado do Paraná. flt@marinsbertoldi.com.br
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