“A história está constelada de aparições e sinais sobrenaturais, que influenciam o desenrolar dos acontecimentos humanos e acompanham o caminho do mundo, surpreendendo crentes e descrentes”, escreveu em 2000 o então cardeal Joseph Ratzinger, no documento Apresentação à Mensagem de Fátima. No universo católico, nada se compara aos acontecimentos relativos à devoção mariana, como o encontro da imagem de Nossa Senhora no Rio Paraíba em 1717 e sua aparição aos três pastorzinhos de Fátima em 1917, cujos centenários celebraremos.
Maria se manifesta como padroeira dos latino-americanos em mais de 25 figuras espalhadas pelo continente. Quase sempre são pequenas imagens, feitas ou encontradas pelo povo simples (índios, pescadores, tropeiros); muitas com feições indígenas ou enegrecidas. Frequentemente seu encontro está associado às águas, e se deslocaram milagrosamente para permanecer em locais próximos ao povo e não onde os poderosos desejavam que estivessem.
Qual dor pode ser maior que a da mãe que vê seu filho amoroso morrer injustamente?
As aparições de Fátima têm, em comum com as “Nossas Senhoras” latino-americanas, a escolha do povo simples (os pastorzinhos) como interlocutores da santa, o convite à oração e a devoção que se transforma num caudaloso rio de peregrinos que vêm honrá-la, pedir ou agradecer por sua intercessão nas agruras da vida. Em contraposição, as aparições de Fátima são cercadas por pelo menos um fenômeno grandioso: um deslocamento anormal do sol, presenciado por cerca de 70 mil pessoas, num raio de 18 quilômetros, difícil de explicar como histeria coletiva ou como fenômeno astrológico ou meteorológico. Além disso, as mensagens deixadas aos videntes de Fátima falam de eventos geopolíticos mundiais: a ascensão e a queda do comunismo na Rússia, um novo tempo de provação e massacres, no qual o “sangue dos mártires” seria usado para “regar a alma dos que se aproximam de Deus”.
As principais aparições da Virgem no século 20 antecederam grandes desgraças. As duas mais famosas, além de Fátima, aconteceram em Ruanda (já reconhecida pela Igreja), em 1981, pouco antes da guerra civil que matou cerca de 800 mil pessoas, e em Medjugorje (esta ainda sem o reconhecimento oficial), também em 1981, que antecedeu a guerra civil da Bósnia-Herzegovina.
Nas imagens da padroeira do Brasil ou nas grandes aparições do século 20 se reafirma um conjunto de imagens arquetípicas, que de certa forma transcendem a própria fé católica para se tornarem símbolo de toda a dor e toda a ternura que pode haver no coração humano. Afinal, qual dor pode ser maior que a da mãe que vê seu filho amoroso morrer injustamente? Qual doação pode ser mais irrestrita que a da mãe que se desvela por seu filho?
O ser humano não está só. As beatas chorosas, entoando desafinadas litanias pelo bem do mundo e de seus entes queridos, não estão sós. O caipira pirapora que só tem seu olhar para mostrar não está só. Os massacrados no absurdo da guerra, pelos quais papas e santos ousaram perguntar a Deus “onde Tu estavas quando isso aconteceu?”, não estão sós. Mas também Deus, em sua onipotência aparentemente tão distante de nossas dores cotidianas, não está só. Um amor de mãe nos une ao Infinito.
Podemos crer ou não, mas nosso coração não pode manter sua humanidade sem se comover com o anúncio de tal prodígio!
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