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Se nos omitirmos em relação ao clima, Trump não será o único culpado

 | Janek Skarzynski/AFP
(Foto: Janek Skarzynski/AFP)

Nesta semana, o Acordo de Paris completa três anos – e o governo Trump marcou a data negociando com a Rússia e os países produtores de petróleo do Golfo, preferindo ignorar solenemente a ciência e enfraquecer as discussões práticas do tratado que estão sendo abordadas em Katowice, na Polônia.

E também esta semana, enquanto eu estava em Nova Déli, onde me reuni com defensores da energia solar, um comentário feito a milhares de quilômetros dali, pelo jornalista Bob Woodward, quase pulou do meu iPad: “O presidente geralmente toma decisões sem uma base factual.” Isso não é apenas um traço da personalidade do líder do mundo livre; é profundamente perigoso para o planeta inteiro.

Os cientistas nos dizem que devemos agir agora para evitar a devastação da mudança climática, mas o fato é que o choque entre os fatos e os fatos alternativos prejudicam os esforços dos EUA no confronto dessa crise existencial. Ainda assim, desde que Trump anunciou que tiraria o país do Acordo de Paris, aqueles de nós que estão na briga fazem de tudo para demonstrar que os norte-americanos ainda não desistiram.

Só que o teste não é saber se os estados e cidades do país conseguem compensar a rejeição de Trump da realidade; claro que conseguem. A verdadeira prova é saber se as nações do mundo vão renunciar ao pacto suicida com que concordamos passivamente, mediante uma reação inadequada a essa crise.

Quinze dos maiores incêndios da história da Califórnia ocorreram nos últimos 18 anos

Basta falar com os líderes reunidos na Polônia: eles reconhecem que não estamos nem perto da meta de redução das emissões de gases estufa que aquecem a Terra. Já tem gente morrendo hoje por causa das mudanças climáticas; muitas pessoas mais perecerão, e trilhões de dólares em prejuízos ocorrerão, a menos que os EUA entrem na luta de novo.

É quase impossível ignorar as evidências: quinze dos maiores incêndios da história da Califórnia ocorreram nos últimos 18 anos. Reviramos os olhos quando o presidente sugere que “juntar as folhas” na floresta seja a resposta, mas os memes espirituosos na internet não ajudam em nada quando os riscos são tantos e tão altos como agora.

Os furacões Maria, Harvey e Irma custaram aos EUA algo em torno de US$ 265 bilhões em perdas; as secas históricas estão no mesmo nível de destruição que as enchentes recorde; as ondas de calor roubaram 153 bilhões de horas de trabalho ao redor do mundo em 2017; as doenças infecciosas estão chegando a novas áreas e a maiores altitudes; mais de vinte países já viram os volumes de suas safras agrícolas cair, e até 2050 o Meio Oeste norte-americano pode ver sua produtividade atingir o nível mais baixo das últimas décadas. E isso tudo é só uma prévia do que vem por aí.

Segundo o relatório mais recente do Painel Intergovernamental sobre a Mudança Climática, para manter o aquecimento a 1,5 °C, como pede o Acordo de Paris, as mudanças exigidas teriam de estar, a partir de agora, em um nível sem precedentes e sem registros históricos.

Só que todo dia perdemos terreno debatendo fatos alternativos. Não é mais uma questão de diz que me diz que; há a verdade e há Trump. Até a análise climática compulsória do Congresso alerta: “Com o volume contínuo de emissões a níveis históricos, já se projeta uma perda anual de bilhões de dólares até o fim do século em alguns setores da economia, equivalente a um volume superior ao PIB atual da maioria dos estados.”

A previsão é a de que as emissões tenham aumentado 2,7% este ano. E, em vez de tentar refreá-las, o governo Trump vai incentivar uma produção maior, substituindo o Plano de Energia Limpa por uma lei que permite às usinas de energia despejar doze vezes mais CO2 na atmosfera. Ou seja, em vez de controlá-las, a administração prefere revogar os padrões de economia de combustível que a indústria automotiva adotou. Em vez de conter o metano, aumentará as chances de que o potente gás estufa vaze na atmosfera.

As gerações futuras nos julgarão de acordo com nossas ações em relação aos fatos, e não só se os debatemos ou negamos – e o veredito dependerá de nosso esforço em instaurar políticas de estímulo ao desenvolvimento e uso de tecnologias limpas, reenergização de nossas economias e o combate à mudança climática global. A cada dia que passa, em que nos vemos paralisados pelo ludita na Casa Branca, é um dia a mais no futuro em que nossos netos vão sofrer. Isso não é exagero; é ciência.

Em vez de aceitar tacitamente que os dois anos que restam da presidência estão destinados à inação, o Congresso deveria enviar a Trump algum tipo de legislação de contenção da crise, o que o forçaria a tomar decisões de que o povo norte-americano não se esqueceria tão cedo. Será que ele teria coragem de recusar o uso de uma tecnologia que transformasse o Oeste dos EUA na Arábia Saudita da energia solar? Ou que fizesse o Meio-Oeste virar o Oriente Médio da energia eólica? Ou à revolução manufatureira que ressuscitasse a Virgínia Ocidental de uma forma que seu carvão tão querido nunca será capaz de fazer?

Para descobrir, só forçando-o a escolher.

Chuck Schumer, senador democrata por Nova York e líder da minoria do Senado, está certo ao exigir que a legislação de infraestrutura acelere a transição para uma economia de energia limpa e reforce a resiliência ao clima. Na futura presidente da Câmara, Nancy Pelosi, ele tem uma parceira que brigou pelos votos da casa, em 2009, para aprovar o programa histórico que limitaria as emissões de gases captadores de calor (ainda que nunca tenha chegado ao Senado). Juntos, eles podem buscar investimentos para uma infraestrutura de baixo nível de carbono. E, se Trump disser não, que façam então da mudança climática a questão galvanizadora em 2020, para que os millennials votem como se suas vidas dependessem disso – porque dependem mesmo.

Se não o fizermos, aos olhos das gerações futuras todos nós seremos fracassados, e não só o presidente. Elas não terão tempo para encontrar desculpas. Os fatos importam. Vamos fazer algo a respeito.

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