"Se houver segundo turno, vou a debates todos os dias" declarou enfaticamente o presidente Lula ao jornalista Heródoto Barbero da CBN na manhã desta sexta-feira.

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Então que venha o segundo turno. Não para trazer ao longo de um mês a maviosa voz do presidente-candidato, mas para permitir à sociedade conhecer as suas opiniões a respeito dos inevitáveis desdobramentos do "dossiêgate".

Este Watergate caipira precisa ser clarificado, não pode ficar precariamente insinuado, reticente. Precisamos saber ao certo se o sempre enojado Aloízio Mercadante sofre de algum distúrbio gástrico crônico ou se é um político impoluto cercado de bandidos por todos os lados. Por enquanto sabemos que, por ele, o presidente Lula põe a mão no fogo. Mas no caso do segundo turno poderemos saber também porque, na intimidade, o presidente está xingando o senador-galã com tantos palavrões.

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É óbvio, não cabe ao PT a tarefa de adiar a definição da disputa presidencial para 29 de outubro. Esta missão cabe ao eleitorado. Só ele conseguirá evitar o gosto de ressaca na manhã do dia 2 de outubro. Ir ao segundo turno – qualquer que seja o resultado –, será uma garantia de que o pleito não foi contaminado pelas melações ou maracutaias (expressões extraídas do vocabulário do próprio Lula).

A vitória no primeiro turno significa dar a Lula exatamente o que pretendiam os arapongas que produziram a fraude jornalística da IstoÉ: um diploma por antecipação. Sem vestibular. Até o dia 1.º de outubro será difícil completar as investigações, sobretudo agora, quando se evidencia uma mudança digamos climática nos gabinetes da Polícia Federal. Esticar a temporada eleitoral até o fim de outubro será uma resposta aos "meninos" que cronometraram a operação justamente para garantir a vitória de Lula no primeiro turno e comprometer o futuro político de José Serra.

Quem deve batalhar pelo segundo turno é o próprio PT, ou a sua parte sadia, altiva e decente, aquela que enfrenta os delírios da tropa de choque pseudo-sindical, inspirada pelos maquiáveis de botequim e empenhada apenas na manutenção das mamatas pessoais.

Quando um petista histórico como o gaúcho Raul Pont reclama contra aquele grupinho que insiste em empurrar o PT para o abismo, na realidade está pedindo que a definição eleitoral só ocorra após o saneamento interno. Uma vitória prematura e definitiva nas presidenciais de 1.º de outubro entronizará no comando do partido e do governo justamente aqueles que se regozijam com a crescente semelhança entre o PT e a escumalha da "base aliada".

Levar esta eleição para o segundo turno é um dever suprapartidário. Não se trata de prejudicar Lula, beneficiar Alckmin ou vice-versa. Eles se merecem, rigorosamente. Trata-se de impedir que o cenário pós-eleitoral seja perigosamente contaminado por suspeições, tensionado por dúvidas e fatalmente conflagrado até as vésperas da próxima disputa presidencial. É preciso levar em conta – e isso já foi dito aqui na última semana – que desta vez o Judiciário não está disposto a avalizar jogadas escusas. Os ânimos começam a acirrar-se na Praça dos Três Poderes.

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A governabilidade nos próximos anos exige a continuação das investigações criminais e do processo de depuração moral que só agora – ano e meio depois do mensalão – começa-se a descortinar em toda a sua extensão. Interrompê-los com uma vitória apressada produzirá fatalmente questionamentos sobre os seus resultados.

A normalização institucional interessa principalmente ao Executivo, mas é essencial devolver ao Legislativo um mínimo de credibilidade. A hipótese do segundo turno presidencial dará mais legitimidade (leia-se poder) aos ganhadores e impedirá a vergonhosa barganha com o PMDB que além de comprometer 2/3 do mandato do presidente Lula já prenuncia um repeteco. A ameaça de segundo turno ajudará a escorraçar do Senado figuras jurássicas como José Sarney e acabará com as capitanias hereditárias que desfederalizam a Federação e a transformaram num arquipélago ingovernável.

O esforço para levar o pleito presidencial para o segundo turno é uma causa coletiva, cívica, de interesse nacional. Decidir no primeiro turno é favorecer o submundo político fascinado pelas decisões na marra, no grito. Prejudicará a todos, inclusive aos ganhadores.

É imperioso evitar que a cidadania sinta-se ludibriada com uma vitória açodada e jeitão golpista. O "dossiêgate" não é uma brincadeira inofensiva, é jogo pesado, mafioso. Quartelada civil. A sensação de estelionato eleitoral precisa ser evitada a todo custo. Infecciona o regime e afeta perigosamente um dos tesouros nacionais – a convivência.

Alberto Dines é jornalista.

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